quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Curso Leblon 2024


Curso Leblon
Janeiro 2024

O que é algo ou alguém precioso?
O que é raro, o que é incomum..

Nos tempos atuais uma mudança se fez necessária...
Sair da intensidade...Afinal intensidade contém tensão...

Foi descoberto que elevadas temperaturas destroem a libido humana..E aí a prostração se instala...Desejos e movimentos ficam sem potência para viver..
Você sabia disto?

Pois é, quem vive nas temperaturas máximas da culpa, da mágoa, da autoexigencia de performance, do complexo, da insegurança se prostra...
E a melancolia se instala.. 
Assim o mundo se apresenta atualmente!

Agora é fundamental saber se lançar no mundo sem  o pé no acelerador..

Pessoas estão "enguiçadas" sem saberem o porquê e até sem saberem que estão..

No "Curso de Janeiro" trago as visões urgentes para Você Ser no Mundo e fazer o Script da Vida com sabedoria.
Pouca gente sabe se situar no agora dos nossos tempos...

Dia 09 de Janeiro...
Vagas Realmente Limitadas
Informações 
Ilana (21)99983-5751


 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Como Somos?


Comecei no início do ano a pensar sobre os projetos que fazemos e dentre eles sempre temos a vontade de modificar algo em si ou mesmo na vida.
Isto implica pegar a nossa substância e fazer uma nova receita… 
Mas realmente com quais elementos somos constituídos?
Como fazer uma receita e colocar no forno do amadurecimento sem solar?
Aliás o famoso brownie é um bolo solado… O chefe errou, provou o erro e gostou… Seria bom se ao errarmos também acertássemos… 
De qualquer modo somos feitos de que?
Em nossa constituição ao longo da vida, desde o nascimento somos propensos a criar um modo de pensar, se comportar, de falar, de vestir, enfim um modo de ser.
A pessoa constrói uma tendência através das próprias características e da cultura que a molda e uma vez que as enraíza dificilmente ela irá agir fora desse padrão.
Diante deste aspecto, podemos afirmar que vivemos presos as nossas  construções internas. 
Pessoa alguma está imune a esse constructo e é por isso que realizamos nos hojes da nossa existência através do modo automatizado, que por serem gestos habituais, são desconectados da nossa atenção plena.
Esta automatização diminui o estímulo que suscita em nós grandes emoções… 
A atenção plena do início é substituída pelo funcionamento do hábito… Temos bem claro este aspecto quando observamos a mobilização emocional que gera nossos ritos iniciais de aprendizagem e experiências… 
Aprender a dirigir, o primeiro beijo, o primeiro dia de um estágio… Nossas primeiras vezes são sempre mobilizantes.

A sequência do cotidiano faz um gradual fechar de olhos psíquicos e através deste adormecimento movimentamos nosso corpo, nosso olhar, nossa escuta de tal modo que se pode dizer que somos existidos na vida por uma tendência.
Podemos dizer que somos uma repetição.
Uma repetição hábil em se repetir. 
Muitas vezes também temos que apreender que nosso modo de ser constituído, nos inabilita para as situações que escapam as realidades habituais… 
A personalidade nos faz engessados para algumas coisas.
Este engessamento impede o acolher das novas situações que se impõem e com isto uma pessoa sofre… 
Para viver a nova realidade há que se despertar… Isto envolve mudanças de funcionamento que demanda energia e propósitos fortes o que parece para muitos que será impossível mudar.

Não estamos prontos para tudo que acontece… Muitas vezes saímos vestidos com uma determinada roupa da cultura e do modo de ser e para prosseguirmos no andamento das atividades, precisamos retrair e nos vestirmos com outras peças para ficarmos coerentes com o momento, com os lugares e com os novos valores dos tempos.
Temos sim que, ao invés de fugirmos, encontrarmos o conhecimento da nossa inata plasticidade que nos confere uma vasta possibilidade de mutação e portanto viabilização para sermos continuamente viáveis.
 
Melhor viverá quem melhor se disponibilizar a ser arte de si mesma e evitar ser arte através do outro apenas… 
Estou sob o céu do entardecer da primeira segunda-feira de 2023 e pensei se fiz diferente estes dois primeiros dias. Posso dizer que fiz bem diferente a segunda-feira… Mantive os hábitos, mas quebrei alguns modos de viver algumas horas do meu dia.
Sob o céu de Copacabana eu era o Manoel, na minha casa, mas passei a trabalhar sob o céu numa das minhas varandas que nunca uso… 
Afinal a cultura também nos molda… Por isto quando viajamos podemos perceber que cada local imprime permissões e interdições diferentes de outros.
Tenho uma experiência muito forte que passei no Paris Langue, onde segui meu curso de francês em várias temporadas.
É um local com poucos alunos em cada sala, e por isto muito exclusivo. Na minha éramos dez.
Eu me sentava ao lado de uma japonesa que estudava lá com seu marido que aprendia francês para assumir o cargo de Diretor da Sony na França… 
Um dia a caneta dela caiu e eu peguei e entreguei a ela. Ela agradeceu com um sorriso abanando a cabeça positivamente. 
Na manhã seguinte antes do início da aula seu marido veio em minha direção e disse: 
“Manoel Bonjour… Massako vai passar a ter aula particular com o Paschal e na sexta ela irá fazer um almoço que será aqui após a aula em agradecimento a sua gentileza.”
Eu indaguei: “Mas ela vai estudar em casa sozinha?” Ele só respondeu “sim” e ponto final.
Achei estranho…  
Sabia que alguns homens japoneses conservavam a cultura em relação às mulheres que quando casavam apenas acompanhavam o marido.
E com isto o mundo dessas ficava restrito… Passei o tempo todo meio instigado com aquela mudança… 
No intervalo da aula daquele dia, Massako me procurou e numa fala rápida me disse: “Manoel é um prazer fazer o almoço de sexta em sua homenagem… Quero agradecer a sua gentileza comigo, mas me sinto desconfortável se deixar de ser honesta com você: Eu não tinha direito a pegar a caneta das suas mãos, meu marido não gostou, considerou um flerte e por isto fez com que eu passasse a ter aula em casa… O almoço é um agradecimento, mas uma despedida”.
Não acreditei no que estava ouvindo… 
Afinal se eu não pegasse aquela caneta do chão eu estaria sendo pouco gentil… Minha gentileza iria aprisioná-la.
Fui para casa naquele dia engasgado… 
Não queria nem tampouco participar daquele almoço que seria na sexta-feira. 
Discordava daquilo… Um conflito de cultura em pleno século 21.
Decidi procurá-lo no dia seguinte e falei: “Gostaria de falar sobre a razão do almoço e vou direto ao assunto. Você vai trabalhar no Ocidente, na França, e sinceramente acho que além da sua competência que o trouxe a este cargo e o francês que está aprimorando você deve atualizar seus princípios de comportamento… Trazer para Paris algumas regras sociais e costumes é continuar a falar seu idioma aqui...”
“No meu país e aqui também, se uma caneta de uma mulher cai em frente aos meus sapatos se eu nada fizer estarei sendo profundamente deselegante. Portanto estamos diante de um impasse e sinceramente não me sinto disponível para compactuar com sua inadequação e quero dizer que não estarei presente no almoço após a aula.”
“O inadequado é você que além do idioma deve assimilar alguns códigos do universo que você está se inserindo…” 
E vou dizer mais: “Esta história será dita por mim como um alerta da sua inabilidade para morar aqui…” 
Ele ficou muito reflexivo… Acabei indo ao almoço que registrei na foto a seguir e Massako continuou as aulas de francês em casa.

 


Fiquei muito triste que minha gentileza tenha sido maléfica para ela, mas, ao mesmo tempo, este conflito poderia despertá-lo para uma adequação cultural.
Alguns anos se passaram e eu estava no café Cassette, que amo, na rue des Rennes com minha taça de sancerre rouge e um plateau de fromage, quando, pelo vidro, vejo uma japonesa me acenando toda sorridente… Era Massako… 
Ela adentrou o café e me disse com um sorriso largo e numa postura mais livre:
“Manoel, que alegria reencontrá-lo… Quero dizer que graças a sua atitude com meu marido você gerou uma transformação na minha vida a ponto de eu estar aqui caminhando e mais livre.” Eu então aliviado e feliz disse: “vamos brindar com um verre du rouge”. Ela ficou meio paralisada e subitamente me respondeu “Oui… Porquoi pas?” 
E assim selamos uma transformação.
Esta experiência é muito expressiva na minha vida, me dá o testemunho que certos princípios que carregamos podem ser o fim da nossa existência, antes que a pele da morte nos envolva.
Por isto digo: Nem tudo que nos constitui serve para todas as fases da nossa vida… 
Salve Massako!

A cultura nos molda autorizando ou interditando, mas algumas são perversas, destrutivas no direito de existir com expressão e como sujeito… 
Fazem a pessoa ser um objeto… 
Pense nos aspectos que podem estar confinando sua vida… 
Tim-Tim!
Pense nisto!
Mas pense mesmo!


Manoel Thomaz Carneiro
Psicanalista/Psicofísico

Crédito das Imagens:
Desenho: Manoel Thomaz Carneiro
Fotos: Acervo pessoal de Manoel Thomaz Carneiro

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Você se Parece Com o Que? Com o lugar externo? O que a define?


Toda vez que entro em um período de pausa nos cursos que ministro, deixo de lado os livros tão presentes em minha vida e me ponho a ser pesquisador em banca de jornal.

Adoro, para descansar a cabeça, folhear revistas e como um devaneio descompromissado me ponho a ler uma a uma. São pinçadas revistas de decoração, de psicologia orientada para o público feminino, bem como outras tantas.

No sábado estava com espírito buscador de ineditismos e lá fui com olhos aventureiros em busca de algo novo. Encontrei uma revista linda, folha e capa de primeira e com adrenalina comprei-a.

Preparei-me para fazer a descoberta e com a manta me aninhei.

Ao abri-la vi que se tratava de uma revista sobre festas cool e DJs. Que decepção a minha! Nada a ver comigo. Só tinha comprado esta.

Nada a fazer!

Comecei então a pensar nos questionamentos que havia colocado  numa das aulas do segundo semestre de 2022 “– Qual a sua maior identificação atual?”

“– Você está parecido com o que?

– Você está parecida com quem?”

A minha revista estava destituída de qualquer elemento identificatório comigo. Era um significado que não se tornou significante. Eu, portanto não tinha identificação alguma com ela.

Pensei nas identificações que temos na vida. 

Você pode se identificar com mar ou piscina, cidade ou floresta, com cão ou com gato, com filme francês ou americano, com cabala ou com o budismo. Cada coisa irá definir a sua pessoa, o seu estilo e o seu perfil.

Mas além dessas existem também as identificações com as circunstâncias, com os sentimentos, com as realidades e com os acontecimentos positivos ou negativos.

Você já se fez esta pergunta? Já se indagou o por que você carrega um sentimento há tanto tempo?

Você está parecido com o que? Com o abandono que alguém trouxe a você e passou a viver como pessoa abandonada?

Você está parecida com o vazio de uma ausência e se tornou o vazio?

Está sem perceber fixada nas situações que criam apenas os sentimentos ruins?

Deixou de se identificar com as coisas que estão corretas e boas e está projetada nas identificações negativas?

Se sim, está então na leitura da revista errada que não trará nada de construtivo para você.

Identifica-se apenas com os vazios, as doenças, os remorsos e as faltas? Tem dúvida que o seu rosto será o reflexo do que você se identifica?

Como Freud afirma, é através das nossas identificações que estruturamos nossa realidade psíquica e através dela é que vamos sentir a vida.

Tornamo-nos coerentes com aquilo que nos fixamos, identificamos e introjetamos.

Se você só se alimenta das coisas que faltam ou que estão com defeito de modo algum poderá sentir satisfação em si mesmo, em relação à vida ou em relação a alguém.

Somos modelados através daquilo que mais olhamos.

Toda vez que alguém descobre no curso que sou filho da Virgínia, aquela que realizava palestras sobre testemunhos de vida em vários locais, ouço: “Você se parece com ela.”

É fato! No modo de ser por me identificar com muitos aspectos dela e também de meu pai, assimilei e tudo passou a fazer parte da minha psicológica corrente sanguínea.

Já percebeu se você está reproduzindo algum padrão de comportamento da sua avó melancólica?

Você está parecido com o seu tio amargo?

Você está parecida com a sua mãe ressentida?

Você se torna a imagem e semelhança de suas identificações conscientes ou inconscientes.

Encontrei por acaso um conhecido que há muito não o via e que me contou que teve um problema no ligamento do tornozelo esquerdo. Contou-me que ficou um mês sem poder colocar o pé no chão. De muleta depois de uns dias se tornou impossível andar, pois machucava a palma das mãos. Disse-me que se pôs a encontrar uma solução. Como atendia em casa para trabalhar era mais fácil, mas para realizar a rotina diária tudo estava complicado. Parou, pensou com identificação em encontrar uma solução e a mente então trabalhou sob este comando e criou uma alternativa para ele: Imaginou uma mochila nas costas para carregar o que precisava de um lado para outro e para ficar livre da muleta passou a engatinhar… Ao se dar esta solução encontrou um modo de se perspectivar. Impediu-se de se identificar com a limitação e buscou uma identificação operacional, produtiva e positiva.

Mudou o seu foco. Olhou e elegeu para se identificar com a perspectiva de uma solução.

Mudança de foco é um ato de amor, de amizade a si, de generosidade e gratidão com o tempo que a vida nos oferece para viver.

Quando desejamos um “Feliz Ano Novo”, queremos que o ano seja diferente mas, na verdade será uma sequência de 24 horas… O que é pode ser potencialmente novo? Nosso modo de atravessamos as horas… O que pode ser “Novo” é atravessarmos o habitual em nós, o engessado… 

Novo é agregar em nosso Eu peles novas… 

Renovação do Eu é nascimento… E tudo que nasce traz entusiasmo e portanto felicidade interior.

Ganhei na última aula de uma aluna um livro intitulado “Poesia Completa de Manoel de Barros” da editora Leya, que achei a minha “cara”! Ao abrir me deparei com um trecho que transcrevo:


“Ando muito completo de vazios.

Meu órgão morrer me predomina.

Estou sem eternidades… 

Enfiei o que pude dentro de um grilo.

Essas coisas me mudam para cisco… 

Estou deitado em compostura de águas.

Na posição de múmias me acomodo.”


Assim se fez este interlocutor… Enfiou a vida em algo mínimo, que o fez cisco, e se posicionou como múmia a espera de outra vida para viver…  Se tornou isso pois assim elegeu esta forma de ser para se identificar. Se fez pequeno, se fez cisco e se tornou múmia. Engessou-se para as perspectivas e se tornou petrificado.

Você sabe se dizer?

Vai se colocar deitado como múmia a espera de outra encarnação para ser o que pode ser agora?

Comece engatinhando… Com o tempo você irá se equilibrar nas boas identificações. Naquelas que trazem a melhor versão de você mesmo.

Eu, como se diz, não morri na praia.

Fui à banca, expliquei-me e troquei por outra revista.

Remova as identificações que mumificam e engessam as linhas negativas de ser.

Escolha bons momentos para se identificar, boas pessoas para se modelar e se perspective através das identificações positivas.

Saiba Ser.

Você se parece com o que?

Pode ter certeza: com aquilo que você escolhe para se identificar.

Portanto: seja plástico, mais do que plástica, renove a face do seu Eu…

O que acontece?

Se você assim fizer, verá… 

A felicidade do entusiasmo de apesar dos tropeços, colocar na mochila psíquica um ser renovado… 

Felicidade… A idade nova interna Feliz.

Entusiasmada.

Pense nisto!


Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico

Crédito da Imagem: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) 

domingo, 1 de janeiro de 2023

Nosso Tempo Em Nós

 


Nos valores informais dos tempos atuais, chamado por muitos de Pós Moderno ou Sociedade Líquida, a questão da culpa e do sentido íntimo para existir passou a perder relevância… 
Hoje a moral psicológica está no narcisismo… Temos na cultura coletiva a ideia da felicidade como um objetivo supremo… 
Portanto, conviver com a frustração e alguns vazios, com limitações da ordem do real, falhas e imperfeições de cada pessoa passaram a ser condenadas e portanto, nesta ótica, entrar em contato com estas sensações de incompletudes, é vivenciada como falha da pessoa em atingir o “ideal” estabelecido sob a ordem da plenitude.
Para conquistar este objetivo, uma grande parte das pessoas passou a buscar permanentes estímulos… 
Algumas percorrem a vida na construção de aventuras contínuas sob a forma de intensas viagens, do sexo com parceiros múltiplos e outras experiências que despertem doses de adrenalina. A impermanência nas rotinas, a incapacidade de manter o foco nas conversas profundas, nas leituras mais longas, nos filmes mais lentos ou mesmo de duração maior, são evitadas por um grande número de pessoas…
A cognição se acelerou, a fala ficou mais rápida com frases mais encurtadas e tudo deve acompanhar a velocidade atual que o existir na vida passou a acontecer.
As conversas se tornaram mais fragmentadas… Nosso ritmo de contemplação e reflexão encurtou no tempo e aumentou na intensidade… 
Existimos envoltos no contexto do intenso e a intensidade cotidiana gera em nós tensão e agitação. A existência ansiosa se tornou um traço da atualidade humana.
Os trens TGV que circulam pela Europa numa velocidade enorme, faz com que possamos chegar rápido ao destino, mas tem a consequência das paisagens passarem velozmente, que nem temos tempo de contemplar o percurso… 
Assim, nesta forma, partimos e chegamos… 
Faço com este aspecto um paralelo com o tempo interno que cada um dá ao momento.
Fui com uma amiga certa vez a exposição do Picasso no Grand Palais em Paris e ela percorreu tudo numa tamanha velocidade, que parecia turbinada pelo TGV e de súbito me disse: Tá visto!!!! Aonde vamos jantar?
Tive vontade de responder: “No Burguer King”, onde seria tão rápido quanto o “time” dela.
Tenha certeza que não foi a única vez que vivenciei situações semelhantes… Já passei com um conhecido no Masp e no Itaú Cultural nas exposições simultâneas das obras de Beatriz Milhazes em 2021, este modo avião… Também levei algumas pessoas em pontos turísticos no Rio em que elas me pareciam não estarem em conexão com o entorno.
Tem um poema no livro “Sempre é Outra Superfície” da Sandra Ling que nos fala: 

“entre dois pontos
uma passagem contida
minúscula geografia 
habitada”

Exato! Somos tempos minúsculos diante da eternidade do universo. Habitamos brevemente na geografia do tempo que é dado a cada um de nós… 
O que faz expandir este aspecto breve é a subjetividade do nosso olhar em cada instante. Isto me faz lembrar um grande conselho que minha mãe me deu na hora do embarque para a primeira viagem que fiz aos 11 anos pelos Estados Unidos.
Assim ela me disse: “Mané preste atenção em algo que vou dizer que vai servir para esta viagem e para sua vida… Olhe três vezes tudo que visitar… Uma vez para o agora, outra para a memória e outra para eternidade.”
Essa fala entrou em mim de forma tão forte que ela se  instalou como parte do meu modo de ser e portanto, viver.
Dizem que tenho uma memória fabulosa… É verdade… Tenho certeza que devo a este modo de experienciar as situações… Guardo falas, cenas, roupas, sons… Sou realmente abastecido por tudo que vivi até hoje.
Passar pela vida com pressa… Já pensou? É chegar ao final de cada coisa e dizer: “Tá visto”… Talvez até esteja visto, mas será que foi sentido, refletido, apreciado?
No último suspiro inevitável, qual filme passa na “Pessoa TGV”?
Nem respondo… Acho que está claro.
Fui à Porto Alegre para uma leitura e reflexão de dois poemas do livro da Sandra Ling que citei nestas linhas e quando comentei que completava 42 anos da última vez que tinha ido a Porto Alegre as pessoas ficaram impressionadas quanto a minha lembrança dos lugares  
que visitei e da churrascaria que fui no bairro chamado Petrópolis… Lembro o que comi e que estacionei o carro numa ladeira… 
Devo ter o “Canal Viva” dentro de mim e sintonizo o “Vale a Pena Ver de Novo” algumas vezes através da minha memória. Isto de modo algum representa que só vivo no passado, mas também esquecer demais é apagar a própria vida.
Esquecer demais se fazem tempos morridos em você… 
Pense nisto!
Quem sabe neste novo ano que inicia, você tenha menos pressa no olhar e mais apreço ao estar… 
Como diz Sandra Ling em outro poema: 

“Sem mais 
é noite”

A vida passa rápido ou você passa rápido demais por ela?
Sem mais é noite do nosso existir…
Portanto seja Olhos Abertos.
Viva sob a dimensão dos três olhares este 2023…
Sem mais é fim de ano de novo?
Pense nisto!!!

Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista / Psicofísico

Créditos das Imagens: Sandra Ling

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Seja Continuidade - Como?

 


Quem um dia não se sentiu fraco e ansioso diante de uma decisão na vida? 

Quem também não se sentiu igualmente ansioso diante de algo que precisava falar? 

Quem um dia se não se viu envolvida pelo medo da vida depois de uma perda, uma separação?

Quem um dia não teve a visita da decepção?

Quem um dia não teve medo do filho, da filha ou de ambos não se encaminharem na vida?

Todos nós temos um lado inseguro que nos leva a se ver pequeno para as caminhadas.

Como na obra de Cervantes, O Homem De La Mancha, somos um Sancho Pança, bom, meio atrapalhado e sem muita estrutura para as iniciativas. Através dos olhos fracos desse nosso lado, a visão da vida é meio assustadora. Esses olhos frágeis nos paralisam.

Sancho Pança, para trilhar caminhos desejantes, precisou ter a frente a maturidade e a audácia de Dom Quixote. Aliás, o fidalgo que se transforma no herói de La Mancha só se transformou em cavaleiro e defensor dos fracos aos quarenta anos. Nesta idade colocou sua armadura e foi realizar Sonhos que antes pareciam impossíveis.

Podemos ler esta obra como uma jornada de construção da capacidade de enfrentamento, que começa a se tornar mais visível aos quarenta anos. 

Não é mesmo assim a vida?

Parece que chega um momento em que a construção de um herói interior se faz imprescindível.

Como na mitologia grega, Aquiles faz sua jornada apesar e com seu calcanhar e Dom Quixote carrega atrás de si para onde for o nosso Sancho… Todos fazem sua jornada como nós devemos construir um modo de seguir, aonde nenhum avião, trem ou navio podem levar, pois não se trata de um caminho geográfico mas psicológico. Assim é o Natal, um símbolo de contínuo renascimento para se ingressar no Novo Ano constituído em si de um herói que nos conduza e nos salve das interrupções antes da vida nos interromper… 

Em cada situação um adequado, mas em todos algo em comum… Vencer os fantasmas… Vencer as mágoas… Vencer as culpas indevidas… As autossabotagens… Vencer tudo que nos torna vencidos… 

Ser uma pessoa vencida? 
É fazer que o próprio prazo de validade no existir seja vencido mesmo que continue a viver… 

Penso no menino que ao se tornar órfão de pai e mãe constroi um contorno Batman para fazer uma trajetória pessoal e ainda apoiar com isto a outros realizarem percursos.


De certa forma todos os heróis e todos nós perspectivadores do existir me fazem lembrar a Lenda Oriental da Borboleta Azul. 

Esta lenda conta que muitos anos atrás um homem ficou viúvo e teve que se responsabilizar por suas duas filhas.

As duas meninas eram muito curiosas, inteligentes e sempre tinham desejo de aprender. Constantemente lançavam perguntas ao pai para satisfazer a sua fome pelo saber. Às vezes seu pai conseguia responder com sabedoria, mas em muitos casos as perguntas de suas filhas o impediam de lhes dar uma resposta correta ou convincente.

Vendo a inquietação das duas meninas, ele decidiu enviá-las de férias para conviver e aprender com um sábio.

O sábio era capaz de responder a todas as perguntas que as pequenas lhe lançavam, sem sequer titubear.

Contudo, as duas irmãs decidiram fazer uma armadilha ao sábio para medir a sua sabedoria. Certa noite, ambas começaram a idealizar um plano: propor ao sábio uma pergunta que ele não fosse capaz de responder.

– Como poderemos testar o sábio? Qual pergunta poderíamos lhe fazer que ele não seria capaz de responder? – perguntou a irmã menor a mais velha.

– Espere aqui, já vou lhe mostrar – disse a mais velha.

A irmã mais velha saiu pelo morro e regressou após uma hora. Tinha o seu avental fechado feito um casaco, escondendo alguma coisa.

– O que você tem ai? – perguntou a irmã menor.

A irmã mais velha colocou sua mão no avental e mostrou à menina uma bela borboleta azul.

– Que maravilha! O que você vai fazer com ela?

– Esta será o nosso modo para fazermos a “pergunta-armadilha” ao mestre. Iremos procurá-lo e vou esconder esta borboleta na minha mão. Então perguntarei ao sábio se a borboleta que está na minha mão está viva ou morta. Se ele responder que está viva, apertarei a minha mão e a matarei. Se responder que está morta, a deixarei livre. Portanto, qualquer que seja a sua resposta, ela sempre estará errada.

Aceitando a proposta da irmã mais velha, as duas foram procurar o sábio.

– Mestre – disse a mais velha – Pode nos dizer se a borboleta que está na minha mão está viva ou morta?

O sábio respondeu com um sorriso maroto: “Depende de você, ela está nas suas mãos”.

O modo como seguramos nossa possibilidade de transcender faz com que nossa borboleta 🦋  interna se faça viva ou morta… 

A borboleta é um símbolo de internalização das ideias de capacitação para darmos a continuidade ao nosso existir nos contextos da vida…  

Esta lenda é muito significante para mim… Minha mãe sempre me dizia: “Quando rezar para mim com algum pedido: preste atenção na borboleta azul…”

Sabe que algumas delas já surgiram nos pátios do meu apartamento. A última vez uma voava tanto em torno de mim que cheguei a ficar aflito. E com certeza, enquanto escrevo esta crônica lanço meu olhar para este ano e vejo quantos heróis realizei em mim e por isto afirmo que borboletei algumas vezes para chegar aqui… 

É fato que o destino é indiferente a nós, mas fazemos a diferença diante da indiferença dele com nossos grandes recursos psíquicos… 

Viva nossos heróis internos!
Que 2023 seja uma bela jornada de herói para você!


Manoel Thomaz Carneiro
Psicanalista/Psicofísico
Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Vidas: Temperadas ou Insossas

 

Gosto muito de entrar em livrarias para olhar guias e livros de fotografias de lugares. Outro dia, folheando um sobre restaurantes, me lembrei de uma mulher que vou chamá-la de Carmita, a qual fui apresentado há muito tempo. Na tentativa de encontrar um tema comum a todos para estabelecer uma afinidade, comecei a dizer naquele encontro, que uma das minhas ilhas de prazer na vida era viajar e sobretudo para novos lugares. Destinações desconhecidas me fazem mergulhar na perda das referências que me traz uma agradável sensação de desbravamento das culturas e dos paladares.

Enquanto falava, Carmita me olhou e com um pedido de licença em seu olhar, disse: “Detesto viajar... Olho as fotos dos lugares e me dou por satisfeita”. Eu a interpelei um pouco surpreso: “Nem para Tiradentes?” Ela, sem o menor tom de agressividade, mas com uma franqueza respeitável, de uma vez que aquela afirmativa iria restringi-la, me respondeu – “Não gosto de viajar, não gosto de jantar fora... Não faço questão de sair do meu mundinho”.

Lembro-me bem que a partir do que ela me disse, comecei a divagar silenciosamente em minhas considerações.

Pensei “Carmita da Caverna”. Pensei esta mulher como sendo uma pessoa que ao invés de conhecer um quadro diante dos olhos, acharia uma foto da tela suficiente, como se bastasse olhar o cardápio de um restaurante sem nada pedir...

Perguntei-me: A sua alma se alimenta de que?

Já pensou o mundo sem a curiosidade para além dos limites visíveis? O que seria de nós?

Estaríamos morrendo das mesmas doenças da idade média e até mesmo as de épocas anteriores. Mesmo a fotografia que a saciava foi inventada por uma alma instigadora.

O mundo evolui devido a emancipação do conhecimento. O nosso mundo interno também.

O crescimento nada mais é do que se aventurar ao novo estágio: o movimento de renúncia de uma condição para ingressar em outra.

Li uma matéria no jornal O Globo, sobre um elefante na Coreia do Sul do Zôo Everland, que consegue expressar cinco palavras em coreano: olá, sente-se, não, deite-se e bom.

Como declara a repórter, é obvio que o elefante não tem noção do que diz, mas o contato intenso com os humanos expandiu sua possibilidade.

O elefante não tem o aparelho fonador. Ele consegue dizer as palavras ao criar um meio para superar esta limitação. Colocou a tromba em sua garganta para que no sopro pudesse recriar o som das palavras...

Se um elefante que rompe seu nicho para se defender da solidão, pois não tinha nenhum companheiro de sua espécie durante anos, estabelece um contato além do que seria o natural e consegue assimilar aspectos que não pertencem a sua natureza, imagina uma pessoa o quanto pode acrescentar em si mesma, ao estabelecer linhas de comunicação e conhecimento com outros mundos.

Atualmente a Organização Mundial da Saúde afirma que nos centros desenvolvidos, uma pessoa de 72 anos tem a mesma perspectiva de saúde que uma de 20.

Nossa longevidade é fato certo no mundo atual. No entanto, viver mais deve ser aliado a viver emocionalmente bem.

De que adianta conquistar uma vida longa sem uma cognição bem desenvolvida?

De que adianta uma pessoa ultrapassar as barreiras cronológicas dos ancestrais e ter uma precária vida mental e emocional?

Hoje se sabe que alguém que assimila mundos novos e que se mantém inserido no contexto evoluído das ideias, desenvolve mais recursos no cérebro, estimula as sinapses e potencializa a sua resiliência, ou seja, fortalece a resistência em muitos espectros.

Portanto, meu susto em relação a Carmita passava longe de um preconceito pelo modo de vida, mas em saber que a permanência num mundo menor é fazer com que o cérebro deixe de encontrar desafios. Deixa com isso de evoluir. É se abrir ao mau porvir, pois o futuro virá, mas a qualidade em vivê-lo depende de cada um.

Outro dia estava perto da minha casa em Copacabana, e uma mulher de uns 25 anos me parou para perguntar: O Senhor poderia me dizer onde fica a Av. Atlântica?" - Confesso que fiquei meio impressionado dela não saber e respondi: Você está a uma quadra da praia. É só descer aquela rua."

Ela visivelmente emocionada me disse “Vim conhecer o mar.”

Sabe que a praia é tão parte da minha vida que nunca imaginei que encontraria uma pessoa adulta com a alegria de ver a orla que me é tão habitual…

Ao contrário de Carmita esta amplia os próprios horizontes e, com certeza, amplia vários sem depender de ninguém…

O psiquismo tem uma tendência natural a inércia, ele é estimulado no encontro com o novo e depois desacelera.

O novo é que estimulou o cérebro do elefante e é evidente que qualquer elemento novo tem o poder de estimular o meu, o seu e o de todos que se aventuram ao descobrimento.

Soube, tempos depois, que aconteceu com Carmita o que temi quando ouvi o modo excludente com o qual se conduzia. Começou a desenvolver uma senilidade, a partir de uma depressão. Não soube temperar… Vida insossa… Alguns diriam de modo leigo: “Ah… Problema inevitável da idade”. Grande erro.

O que faz com que uma pessoa seja considerada velha? A que ficou parada no tempo. Aquela que se exclui gradualmente do mundo. A que não acompanha o fluxo dos acontecimentos.

Aquela que perde a menina ou o menino curioso deixa de ser aventureiro de si mesmo.

Sabe aquele jogo de dados? Que você tira um número e conforme o lado você anda um determinado número de casinhas? Pois é… tem pessoas que andam para trás. Lançam sua sorte ao contrário do que seria favorável a si mesma.

Como disse Freud o importante é criar um mundo sobre o qual você possa e goste de viver. Toda pessoa que se fecha em si mesma, vai se “ensimesmando” e perdendo a habilidade de lidar com a vida e perde a conexão com ela mesmo que esteja em contato.

Se em conexão com um novo mundo até um elefante aprende a falar… Imagine o que você pode aprender em contato com um mundo além da sua realidade… 

Enquanto “Carmitas” escolhem viver entrincheiradas nos mundinhos, há os “Máximos” da existência, que atravessam os limites e constroem a vida dos sabores.

Pena… que alguns com o tempo se tornam “Carmitas Ninguém” ao invés de se tornarem os “Máximos”.

A vida que vale a pena ser vivida?

Aquela que pode ser aprendida.

Aquela que é expandida… 

Aquela que a faz crescida… 

Para você extasiada com sua altura subjetiva poder dizer:

" Ah… Como é belo o mundo visto do alto."

Pense nisto.


Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico

Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Abastecer e Florescer a Si - Para Um Ano Sem Anorexia Psíquica



Outro dia li uma entrevista com o economista grego, Loukas Tsoukalis, especialista e professor de integração europeia na qual falou sobre a crise nos países da comunidade do euro, onde sinalizou sua ideia sobre a falta de um estadista no mundo, de um líder político consistente e carismático para gerar uma unidade de sensação de segurança.

É fato que o ser humano sempre precisou de um farol que sinalizasse caminhos… Tivemos grandes faróis filosóficos, psicanalíticos, poetas e entre outros e hoje ficamos meio perdidos no que nos norteia de modo a se ter balizas consistentes para ponderarmos.

Ao ler esta declaração sobre a falta de um líder, pensei a respeito da mente que necessita de uma linha de raciocínio para refletir e fazer que possamos ter uma ideia consistente que nos oriente e responda as nossas questões.

Aprendemos uma série de coisas, colecionamos em nós, nomes, filmes, livros, situações, mas será que alguém sabe responder o que de fato é necessário encontrar para se suprir no campo psicológico?

Vejo no Hortifruti, que adoro ir, mulheres, homens com listas ou com apenas os olhos e os carrinhos abertos ao que as mãos seguram das prateleiras. Com certeza sabem sobre vitaminas, clorofilas, sobre o excesso e a falta do açúcar, enfim sabem tantas coisas sobre como misturar um queijo brie com a geleia de damasco, mas será que as pessoas sabem responder sobre o que pegar nas prateleiras do “supermercado mundo” para se abastecer?

Nosso inconsciente é plural e necessita, como o corpo, de elementos diversificados.

Precisamos de dose de mãe, de pai, de irmão, de irmã, de amigos, de criação, de erotismo, de sexualidade, de marido, de mulher, de filhos, de avó, de avô, de casa, de viagem... Precisamos encontrar tantas coisas para abastecer o carrinho existencial...

A felicidade é um presente de gratidão de nosso "Inconsciente Plural" pelo correto abastecimento interior. Por isto que tantos são abastecidos com roupas, viagens, casas, joias, carros e outros adornos e ainda assim sentem uma fraqueza melancólica no viço da alma. 

Será que a lista de prioridades está clara na sua consciência?

Sendo o inconsciente plural, a dose de um único item irá satisfazê-lo?

Ter só a maçã para se suprir por completo?

Será também que está cercada de vários itens, mas se sente distante da felicidade? Será neste caso que a dose vivenciada de cada elemento de sua vida está sendo vivida na boa medida?

Ingestão contínua de ginástica e mais nada, ingestão de casamento em bulímicas doses...

A tristeza é a linguagem de nosso inconsciente plural que nos fala de sua anemia.

A tristeza nos deixa fraco porque nosso interior está desabastecido de bons alimentos ou de alimentos em doses erradas.

Se somos constituídos dessa pluralidade, a diversidade em medidas lúcidas e sábias nos fortalece.

A Biodiversidade Existencial é um ato de um bom sabedor dos nutrientes psíquicos necessários.

Como uma excelente receita de Dorival Caymmi: um cadinho de ioô, um cadinho de iaá...

Bota castanha de caju, um bocadinho mais;

Pimenta malagueta, um bocadinho mais…

O economista falou que falta um líder para organizar a crise…

Quem sabe a crise do continente você, esteja presente porque falta ser liderado por uma boa noção de economia psíquica? Oferta, demanda, valor agregado, produção e produtividade. Diante das prateleiras do mundo, saiba abastecer seu carrinho existencial… Olhe os prazos de validade vencidos, olhe os que são desnecessários e os fundamentais.

Um pouco de uma coisa, de outra, depois outra, uma mistura no sábado de tudo e na segunda-feira o que faltou no domingo e assim… Dia a dia com a nova nutrição mais balanceada a crise passa.

A saúde de seu inconsciente plural será a felicidade. E felicidade está naquele instante que você quer que nunca acabe…

Se você parar para pensar… 

Descobrirá tantas e outras que poderá construir para si mesma… 

Caminhar como nesta foto da Patrícia Secco no Vietnan… 

Floresce internamente com consistência que você caminha na primavera do psiquismo… Ah que grande e monumental estação… 



Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico

Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) 


domingo, 6 de novembro de 2022

O Direito de Existir

 O Direito de Existir




Quando eu era pequeno havia uma novela que se chamava “O Direito de Nascer” e este nome me veio quando soube outro dia de um caso sobre um homem de quarenta e dois anos que impossibilitado por si mesmo e por medo do preconceito feroz de assumir o seu desejo, sua verdade afetiva e sexual de modo aberto e profundo, mergulhou gradativamente num processo de autodestruição através do álcool que está minando todos os setores da vida dele. Ele aboliu o direito de nascer para a vida que nasceu, lógico tendo como componente a cultura por vezes opressora.

Lamentei muito esta história e fiquei a pensar sobre a dificuldade humana em impor limites, em assumir condições, em dizer não aos excessos de solicitações, do “envergonhamento” para expressar opiniões, e sobretudo, na culpa de arrancar determinadas máscaras.

De fato, desde que nascemos precisamos que nos desejem para que sejamos bem recebidos na vida. Esta condição de dependência do outro nos coloca de imediato na posição de submissão, de sedução, de busca de aprovação e de contínuas provas de acolhimento.

É fundamental que você e todas as pessoas saibam que as experiências de sermos respeitados nas diferenças e nas opiniões trazem para nós o progressivo registro em nossa estrutura, que podemos de certa forma contrariar ou mesmo podemos deixar emergir determinadas singularidades em nossas vidas cotidianas. Como se o mundo nos dissesse através do respeito nos nossos primeiros tempos de existência, que somos amados como sujeitos, singulares.

Essa vivência liberta a pessoa para o direito de uma série de expressões, que vai desde o de escolher um sabor de sorvete até definir uma profissão ou estilo de vida e até o modo de viver afetos.

A experiência do olhar respeitoso às singularidades suscita a liberdade para se expressar e conviver sem constrangimentos.

Somos semelhantes e isto envolve as diferenças, pois se não fosse assim a afirmativa seria : somos perfeitamente iguais.

Uma pessoa que foi isenta dessa individualidade, que foi anulada em determinados direitos, até por uma cultura e moral retrógrada, cresce envergonhada até mesmo por ocupar um espaço no elevador. Convive com uma secreta sensação de inferioridade que pode passar pelos complexos. Constrói-se espelho do mundo que a cerca.

Às vezes a falta de um pai amoroso, ou mesmo a presença excessivamente autoritária e retrógrada esmaga a sensação de direitos e faz expandir apenas a noção de deveres. Torna-se uma pessoa colonizada, que pode responder a esta pressão com uma saída negativa, se tornando procrastinador e encolhido no mundo pessoal.

Há também uma resposta a estes quadros através de uma dependência e submissão como o caso de uma mulher que devido à dificuldade de dizer não, se deixava ser devorada e na impossibilidade de se colocar numa equidistância acabava por minar a convivência com as pessoas que se aproximavam dela.



Muitas pessoas destroem o que desejam por não saberem conviver através da noção dos espaços que cada um deve ter. Já que não sabem expressar o que as incomoda, rompem e se distanciam carregando  permanentes dificuldades. 

Sabe-se hoje, que algumas pessoas nascem com predisposição à chamada “Preocupação empática excessiva”, onde os valores dos outros ou necessidades são sempre vistas como próprias, como se houvesse um espelho cujo reflexo do outro se confunde com a própria imagem.

Outro dia num encontro casual, quando ia caminhar,  a filha de uma conhecida me contou que o namorado não ligava para a aparência e, portanto, nunca se vestia de forma apropriada. Já tinha ido até de sandália a casamento. Não adiantava falar, pois odiava ser criticado.

O que parece isso?

 Uma evidente forma de oposição a alguma autoridade extrema vivenciada em sua criação. Pulou da opressão para a liberdade através da rebeldia agressiva. Tornou-se igualmente autoritário. Continua preso, pois quem busca sempre fugir é porque ainda está acorrentado.

Como é importante se compreender e tomar consciência há que está ainda aprisionado através de uma culpa ou constrangimento em ser.

Saiba que para existir e buscar se afirmar, se faz desnecessário abolir todas as regras, códigos ou pedidos.

Incorporamos padrões nos nossos modos de ser. A modificação de hábitos, até os mais arraigados, pode ser realizada, afinal somos neuro plásticos. 

O hábito ou o traço de uma personalidade é um comportamento adquirido por alguma razão. No entanto, pode-se tomar consciência do que de negativo se está fazendo consigo mesmo.

Entenda o que se passa na sua cabeça e modifique o que destrói o seu prazer cotidiano que a torna uma pessoa constrangida em ser a própria pele, a própria essência. 

Muitas pessoas criam seus filhos como projetos pré determinados do que devem ser quando crescerem…E se não correspondem, uma batalha narcisista é travada…A batalha de transformar o outro numa projeção de si…Isto é amor? Ou poderíamos dizer um amor envenenado pelo obtuso desejo de ser através do outro…

Quantos se submetem a solicitações perversas e a total falta de respeito.



Nietzsche tem uma indagação que sempre recorro ao avaliar algum aspecto da minha vida ou opções: “Você vive hoje uma vida em que gostaria de viver por toda a eternidade?” e complementa em outro texto: “Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos 

Tudo na vida é de fato uma questão de postura diante de si mesmo."

Quando eu tinha treze anos seguia um curso de inglês no Oxford. Uma vez foi passado como exercício a construção de um texto. Escrevi um diálogo comigo mesmo em inglês. Decidi por essa forma por achar que se eu já pensava em outro idioma era porque dominava os vocabulários e os verbos que deveriam ser aprendidos. 

Depois da leitura na sala, a professora me deu zero. Eu tive um choque, pois não havia erro gramatical algum. Perguntei o porquê e ela simplesmente me respondeu que ninguém conversava consigo mesmo. Ela abusou da autoridade.

Abuso, sobretudo ignorante, pois estava ali para corrigir a matéria e não tinha o direito de podar a criatividade.

Ao invés de me sentir condenado, falei com os meus pais e pedi para sair. Lógico que tive o total apoio. 

Saí daquele curso na hora... Disse não àquela autoridade neurótica.

Penso que a criatividade daquela professora estava destruída e que ela estava impedida de encontrar a si mesma.

Sem direito a pensar, sem direito a existir.

Quantos podam a existência através das inibições, dos complexos e das submissões inseguras. 

Aprender a dizer não é uma questão de respeito à vida e ao Direito de Nascer e Renascer.

Converse consigo mesmo em inglês, francês português, só não converse diante daquela minha professora!

Quando pensamos através dos bons discernimentos passamos a abrir grandes possibilidades para existirmos bem. 

Grande ironia do destino quando penso na professora e na pessoa que me tornei... Sou um contínuo pensante.

Esta é a minha ideia, nesta semana, para se reinventar a vida.





Ao invés de se destruir pelos medos, deve-se construir sempre a ideia de que temos o “Direito de Nascer”, para que se possa responder a grande questão "Nietzschiana" desta forma:

A vida que estou construindo eu posso vivê-la em toda a eternidade?



Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico


Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) & GettyImages