terça-feira, 17 de julho de 2012

A Estrada de Salles e O Caminho de Si




A Estrada de Salles e O Caminho de Si
A palavra – caminho – em seu significado literal é faixa de terreno, mas também pode representar a vida que seguimos; os rumos que definimos para a nossa destinação diante do que nos acontece.
O filme “Na Estrada” de Walter Salles, uma adaptação do livro de Jack Kerouac, é o caminho do jovem escritor Sal Paradise, uma versão da vida do próprio Kerouac, que após a morte de seu pai conhece Dean Mouriaty e passam a compartilhar aventuras e desventuras na estrada durante cinco anos.
Embora Sal seja o narrador, a alma do filme é o seu amigo Dean, um rapaz que vive a vida buscando se atordoar para se afastar de sua angústia.
Quantos criam uma vida extremamente intensa, tentando fugir de si mesmos, como se pudessem se desconectar dos próprios sentimentos.
No mundo interno de Dean o outro é apenas um instrumento para realizar seus desejos, não importando o quanto fere, o quanto desilude sonhos de quem o ama.
Os “Deans” da vida para serem por nós reconhecidos exigem malícia, pois não apresentam semblantes que carregam um punhal invisível capaz de machucar os corações e os sonhos de quem deles se apegam.
Em torno deste personagem malicioso, sedutor está, Marylou a garota fetiche de 16 anos, Carlo o poeta melancólico também apaixonado por Dean, o escritor Sal e Camille sua mulher mãe de seus filhos. Para além desses, orbitam outros personagens em seus mergulhos de desilusão perdas e rupturas, nos sinalizando que a vida que vale a pena ser vivida é aquela em que uma pessoa se apropria com determinação de sua trajetória.
Ao longo dos cinco anos dessa história, vamos percebendo o quanto Dean não se sensibiliza com a dor do outro. Caberá a cada um, observar o que acontece e tomar consciência da necessidade de agir para a preservação de si, realizando a difícil tarefa de se desesperançar e desistir de um amor, de um sonho e de uma amizade.
Pois é, difícil mas muitas vezes inevitável desistência.
Marylou o abandona ao desistir conquista-lo. Decide renunciar aos seus sonhos apaixonantes e transgressores para ingressar na vida sublimada que o princípio da realidade exige. Casa-se com um marinheiro para construir uma família.
Este momento de Marylou é a representação do rito de passagem de um sonho idealizado para a construção madura da vida. Para conseguirmos realizar esta transição, precisamos como ela dar um adeus definitivo sem nos permitir olharmos para trás. Exatamente o oposto da saída da mulher de Ló na destruição de Sodoma... Se olharmos não querendo abandonar nossos antigos caminhos paralisamos petrificados.
Camille, sua mulher, representa a ponderação e o desejo de Dean por uma estrutura e estabilidade que a sua natureza neurótica o impede de manter-se. Ela após intermináveis tentativas de compreensão, o expulsa de casa definitivamente, num momento de resgate profundo de si mesma, quando percebe que todos os recursos de tolerância a levariam para uma vida de solidão acompanhada. Quantas pessoas se expõem a este duro contexto por não conseguirem assumir o controle das próprias vidas.
Dean prossegue em sua coerência de indiferença e egoísmo até com o seu grande parceiro Sal ao abandona-lo deixando-o no México inteiramente só, num momento de absoluta fragilidade física. Sal se vê obrigado a realizar que aquela amizade deveria ser rompida. As lágrimas que naquele instante correm daqueles olhos desamparados, expressam a percepção que às vezes temos que não podemos mais amar aquele amor.
Dean irá abandonar e desamparar a todos que o amam, num impulso de repetição inconsciente do que o seu pai fez, desaparecer.
Aparecer e desaparecer, abandonar e ressurgir são os movimentos que o seu inconsciente o faz viver.
Todos temos um Dean dentro de nós..
Igualmente, temos também um Sal...
A questão é: Qual deles está conduzindo você na estrada?
O filme fala forte sobre o desejo de liberdade, mas fala também sobre o aprendizado que precisamos ter para retirarmos de nossos olhos a inocência em pensarmos “que no fundo, bem no fundo, ele é bom”, para entender que às vezes a bondade de uma pessoa está tão no fundo, coberta por inúmeras camadas de egoísmo que ela não conseguirá surgir na vida. A bondade de Dean está soterrada pelas suas neuroses.
Numa das últimas cenas do filme resume o que parece que Jack Kerouac quis evidenciar como lição maior daquela estrada de cinco anos... ... Saindo de sua casa para um show, Sal reencontra Dean após o México. Dean está desamparado, só e tenta encontrar em Sal corrimão para se segurar diante do seu já deteriorado e trôpego equilíbrio emocional. Sensibilizado, emocionado mas firme em sua maturidade, Sal diz olhando nos olhos do ex-parceiro – “Gostaria de não precisar ir ao show de Jazz, mas preciso ir”.
Existe uma expressão popular “Mandar-se dizer na estrada” que significa ir embora, partir. Sair de um ponto para outro.
Tem momentos na vida que temos que tomar a decisão e o rumo que a razão nos aponta, mesmo que nosso coração esteja reticente e balançado.
São os momentos que precisamos como Sal “Mandar-se dizer na estrada” e partir para Pôr-se a Caminho da Boa Direção.


Assistir Na Estrada de Walter Salles com esses olhos psicanalíticos me fez apreciar muito este belo “on the road”.