terça-feira, 25 de setembro de 2012

Assim É, Porque Assim lhe Parece


Assim É, Porque Assim lhe Parece.

Tenho uma amiga, que possui um pensamento que atua como parâmetro para reflexão sobre situações de sua vida. Em alguns cafés reflexivos que tomamos, ela solta: “Manoel... Assim é, porque assim lhe parece”.
Com toda razão ela mantém essa premissa sem qualquer risco de abandona-la, pois uma coisa nos é, porque acreditamos que ela seja assim. Enxergamos de um modo muito pessoal. O psicólogo americano Michael Shermer esteve no Brasil para lançar o livro “Cérebro & Crença” e numa entrevista para o Jornal O Globo, falou que o foco deste trabalho esta na sua ideia que “as crenças vêm primeiro e as razões que construímos para justifica-las, sejam elas quais forem – vêm depois”. E, prosseguiu – “Nosso cérebro age como um advogado num julgamento: montando evidências a favor de seu cliente, que nesse caso são nossas crenças e ignorando ou recusando todas as provas que não se encaixam ou derrubam essas crenças... Então há um leque de inclinações que podem ou não ser verdadeiras”.
Na vida somos dependentes em acreditar em algumas coisas, conforme afirma o jornalista Alberto Scofield Jr que realizou esta entrevista.
Uma pessoa através da imaginação é que constrói a sua própria imagem. Se ela tiver uma visão inferiorizada das suas competências e do seu próprio corpo, terá um sentimento depreciado. A partir do momento em que se acredita assim, a ideia a respeito de si mesma será essa.
Para o bem ou para o mal, somos produtos daquilo que acreditamos ser.
Quantas pessoas sem grandes atributos físicos, mas com crenças positivas, que se imaginam bem, atuam na vida com sensualidade, humor e segurança. Elas constroem um corpo subjetivo que sobrepuja o corpo objetivo.
Quando alguém se deprecia se batizando, por exemplo, de lerdo e de burro, agirá calcado nessas crenças e seu cérebro irá funcionar sob esses pilares conceituais.
Homens e mulheres que não acreditam nas possibilidades e nas grandes ideias de crescimento, irão sem perceber, construir seus cotidianos coerentes com essas crenças. Permanecerão nos subtons do que poderiam ser.
No livro Cinquenta Tons de Cinza, da escritora inglesa E L James, a personagem, estudante de literatura, Ana (Anastásia Steele) não acredita que possa realmente mobilizar o jovem, bonito, bem sucedido e misterioso Christian Grey. Ingênua e imatura em relação a si mesma, aos vinte um anos nunca teve um namorado, possui uma autoimagem aquém daquelas que “Sr Grey” enxerga.
Grey vê nela aspectos que Ana ainda não realiza aos seus olhos.
Já na contramão desta autodepreciação, Christian Grey num jogo que a tradução do título faz uma inevitável perda no sentido, de uma vez que o seu sobrenome tem o som da palavra cinza em inglês, enxerga em si os cinquenta tons dele mesmo, ou seja, cinquenta tons de cinza. Um personagem em que a confiança e o narcisismo básico são as alavancas para as conquistas financeiras e as investidas sensuais que ele faz revelar aos olhos de quem lê o romance. Certamente, um homem não de um tom só.
É certo que precisamos dos olhos do outro para criar a alteridade – a noção do outro e a noção de si – mas precisamos de nossos olhos para nos apropriar daquilo que perfaz o nosso potencial. O olhar de Grey irá despertar Ana, mas apenas aos poucos quando restaura a sua autoimagem é que ela começa a se transformar na vida.
Paris tem um codinome “Cidade Luz” e um grande percentual da humanidade atribui este título a sua iluminação e como é de fato bem aproveitada neste aspecto, o mito errôneo se mantém. Muitos visitam-na, revisitam-na e pensam ter conhecido a razão de tal nome ao se deparar com a elegância feérica da iluminação nos monumentos, nas edificações, sem falar na cúpula de vidro do Grand Palais. Curioso saber que este nome vem da florescência das ideias no séc. XVIII, época também dos enciclopedistas que organizaram os conhecimento sob a forma das enciclopédias. Paris recebe um olhar por vezes errôneo e perde muito por não saberem da sua influência no modo de pensar da humanidade. Além da moda e das etiquetas, Paris trouxe uma revolução no refletir a si mesmo. Ao saber a respeito disso a cidade se abre mais, se descortina aspectos dela que a torna mais fascinante. Quanto mais tons a partir de um matiz, mais nuances de uma mesma coisa salta a nossa percepção.
Como vemos cada cidade tem uma imagem, que por vezes não corresponde ao que é no real. Exatamente como pode ocorrer com cada um de nós, pois muitas vezes temos impressões que não correspondem ao que somos. Uma grande maioria dá uma nota baixa a si e vive com esta discrepância injusta originada de suas conclusões e ideias inferiorizadas.
Quanto mais aprendemos a nos descobrir, mais matizes de nós saltam a nossa percepção. Se soubermos de quais tons compõem nossa maneira de ser, saberemos combina-los bem e de modo mais fácil, saberemos definir o que é melhor para cada aspecto de nossos traços.
O pseudoconhecimento nos leva a enxergar uma coisa, quando na verdade é outra. Uma coisa se torna para uma pessoa aquilo que ela acredita ser.
Somos aquilo que acreditamos ser.
Quando alguém vê em nós possibilidades e qualidades, as vezes achamos que é apenas um olhar gentil, que não condiz com o real.
São várias as causas desta autodepreciação, desta falta de luz em direção a si mesmo, mas para mudar é importante falar com seu advogado interno, que defende você nas boas causas para que não cometa o delito da autodistorção e que ele pela suas novas crenças positivas, possa implantar a clareza da verdade, começando a sua defesa pelo título da peça do dramaturgo italiano Pirandello “Assim É (Se Lhe Parece)”.
Perceba a liberdade que a luz desta ideia traz.
Rever as crenças é importante.
Como dizem nos cafés ponderativos – “A vida é igual tapete, de vez em quando precisa de uma sacudida.”
Aquele que não se descobre se desperdiça.


Manoel Thomaz Carneiro

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Você Gosta de Estar No Mundo?



Você Gosta de Estar No Mundo?
Li no caderno Zona Sul do jornal O Globo, numa reportagem sobre a paixão de Tom Jobim pelo Jardim Botânico, uma declaração que a ligação de Jobim com a natureza começou sob a influência do avô que teve um grande papel em sua vida, já que o pai se separou cedo e o deixou quando era pequeno. Essa semelhança com o avô foi mantida nas duas gerações seguintes, na figura do filho e do neto de Tom: Paulo e Daniel. Traços de um foram absorvidos no outro, numa linearidade existencial.
Ao assumir a função paterna o avô deu uma referência de identidade a ser guiada. Seu amor se inscreveu no outro.
A psicanálise sempre afirmou o que as pesquisas hoje apontam: que a presença do pai cumprindo sua função tem influência na autoestima e em outros aspectos psicológicos da vida de uma pessoa. É um dos bons vetores que influenciam nossa maneira de estar no mundo. A família Jobim está no mundo com poesia, a mesma que habitava a alma do avô de Tom.
Tanto Freud quanto posteriormente Lacan rompem com a tendência de apenas imaginar o pai por meio de sua presença ou ausência física. Eles defendem a ideia da existência de substitutos. Na ausência física de um pai biológico, qualquer um que corte a díade mãe-bebê terá a força para exercer a função paterna.
O Pai Função é entre tantas coisas aquele que contribui para o melhor desenvolvimento das seguranças.
A nossa mãe nos coloca na vida e o nosso pai nos insere no mundo. 
Quando um pai leva uma filha para passear, elogia e demonstra o seu afeto, essa menina guardará para a mulher futura que ela será, uma expressão de amor que será a base da sua autoestima. A vivência desse olhar abastece as necessidades do psiquismo e se torna a alavanca para o processo saudável de individuação.
Quando penso nesta função e nos efeitos nefastos de sua ausência, sempre vem aos meus pensamentos Marilyn Monroe. Completamente destituída de segurança pessoal e feminina, passa sua vida na busca eterna de um amor que pudesse suprir a falta de um olhar paterno que a fizesse se sentir desejada e passível de reconhecer seus valores e suas competências. Apesar da vivência dos testemunhos de sucesso e adoração nada a fazia se sentir transformada em sua confiança e suprida em sua carência... O seu corpo subjetivo não se nutria daquilo que seu corpo objetivo vivenciava. Essa clivagem marcou toda a sua trajetória.
Ser pai ultrapassa a função provedora. Muitos pensam que ao propiciar alimentos, casa, viagens promovem os alimentos absolutos que uma criança precisa.
Necessitamos do olhar, precisamos ser abastecidos das certezas de sermos desejados, de sermos fontes de prazer por existirmos, para que mais tarde possamos acreditar que a nossa existência no mundo tem um lugar no desejo.
Nascemos várias vezes. A primeira, quando nosso corpo chega a vida, a segunda quando nosso corpo subjetivo é concebido através do olhar paterno e na terceira quando conscientemente reunimos tudo e começamos a gerar a si mesmo com delicadeza e amorosidade. Com certeza Marilyn não pode realizar a segunda e terceira etapa desta evolução. 
Daniel Jobim conta que o avô Tom o tirava logo da cama para ver os pássaros que só aparecem com os primeiros raios de sol. Faziam caminhadas pelas trilhas e que aprendeu desde pequeno a abraçar árvores... Disse que esta essência acabou se tornando tão inscrito nele que parece que faz parte do seu DNA.
Meu pai também me fazia abraçar árvores e dizia que era para renovar as energias. Falava para eu ficar quietinho para perceber a vibração dela em meu corpo.
Não abraço mais árvores, mas toda vez que quero a presença do olhar, abraço a lembrança deste pai que hoje internalizado e imortalizado em minha consciência, vive me abraçando para orientar meus caminhos de amor a mim mesmo e a vida.
Até hoje ele contribui para minha boa maneira de estar no mundo.
Eu gosto de estar neste mundo que meu pai me ensinou a desejar... E Você?
Lembra daquele que realizou a função paterna?
Aquele que por vezes nem foi seu pai biológico, mas que olhou e ensinou você a olhar um bom modo de estar no mundo. Abrace estes olhares para abraçar melhor a vida.
Abrace as boas lembranças de amor.
Gostamos mais de estar na vida quando lembramos do amor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Comemoração



Um rito de passagem: 10.100 acessos! Obrigado a todos que construíram este momento.
Vamos continuar desenrolando os novelos psíquicos freudianos, para juntos tecermos uma nova trama de resiliência e amor.
Manoel Thomaz Carneiro

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prazer no Banal


Prazer no Banal
Fui a São Paulo e aproveitei para visitar a exposição Caravaggio no MASP, como era relativamente pequena, me restou tempo para rever no segundo andar a mostra “Romantismo”, organizada com 79 obras do próprio acervo. Além das telas, me encantei mais uma vez, com os textos que a curadoria selecionou para explicar, de forma filosófica, a sequência das obras. Abaixo de uma delas estava este pensamento do poeta alemão Ludwig Tieck – “Deveríamos fazer do comum algo extraordinário e então nos surpreenderíamos descobrindo que está muito perto de nós a fonte de prazer que buscamos em algum lugar distante”.
O prazer no banal é uma conquista a ser realizada na vida, que impõe para tal, muitas vezes, uma revolução psicológica no modo de pensar, pois exige voltar atrás em relação às premissas em si estabelecidas do que é o prazer e a dinâmica dele em nossa vida psíquica. Como diz o curador da exposição, para toda revolução ser realizada, deve-se voltar atrás em algumas ideias e eleger outras que não se considerava corretas.
Para que uma pessoa se modifique, ela deve se abrir à percepção de que qualquer mudança envolve disponibilidade para rever premissas, disponibilidade para reconhecer se a permanência delas traz o prazer que deseja, e a partir daí buscar introjetar novos paradigmas para refletir a vida.
O prazer que temos com algo está em nossa mente e não na coisa em si. Se tivermos uma criança que brinca durante horas com uma boneca sem braço, com um carrinho sem porta, com um cavalinho sem perna, enquanto que outra chora porque os brinquedos estão imperfeitos... O que estaria acontecendo? Qual seria a diferença entre elas? 
A diferença entre uma e outra, entre o prazer de uma e o desprazer da outra, estaria no grau de envolvimento e na sua implícita psicologia pessoal. A que brinca e extrai prazer com os brinquedos incompletos, vive a poesia no banal e a que não consegue, destrói a poesia com seus olhos áridos e faz com que reste para ela se alimentar apenas da sensação do banal, porque o grau de exigência e ilusão em relação ao seu prazer é imenso.
Um grau de exigência muito elevado, incompatibiliza a conquista do prazer na vida real. Torna-se uma ilusão. 
Por isso concordo com a ideia de outro pensador alemão Ludwig Borne “Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade.”
Alguns esperam que as coisas sejam encantadas, outros se encantam com as coisas, uns delegam a mágica ao mundo, outros põem o mago em si mesmos.
A “Arte do Entusiasmo” é para ser desenvolvida na nossa alma, para que altere a nossa vivência no mundo das banalidades. É a arte do envolvimento com aquilo que está a sua frente. Aprender a viver sem um antes e um depois.
Muitas vezes a memória de uma pessoa mais velha não é pior do que a de uma jovem, apenas o seu olhar está pousado em outro lugar. Uma pessoa considerada psicologicamente idosa, independentemente da idade, é aquela que tem para si, a ideia de que os conteúdos da vida que a fascinavam, já não mais existem: considera que tudo que é encantador ficou para trás e que o futuro perdeu o sentido a ponto de parecer que não tem mais significado. O Entusiasmo se foi... e a velhice se estabeleceu... 
Há velhice em qualquer idade, para ela se estabelecer basta perder o entusiasmo. Ao contrário do que pude sentir ao visitar no mesmo dia a Fundação Ema Klabin. Lá percebi, o quanto uma mulher viúva e sem filhos não fixou o seu olhar no passado, nas suas ausências e encontrou em si o encantamento. Traçou como meta usufruir a sua existência, lançando um contínuo olhar curioso sobre o mundo, a música e a arte. Deixou para nós as suas paixões e o seu vigor no viver. 
Após estas visitas, sentei na “Pâtisserie Douce France” nos Jardins e pedi um café, um pedaço de bolo e me disse, que minha vida nunca iria virar abóbora... Que ficaria atento, para que mesmo voltando a São Paulo pela enésima vez, não deixaria nada se transformar em banal... Que a idade viria, mais um ano se completava em minha vida naquela semana, mas que nunca iria permitir que os momentos perdessem os seus encantos. A magia estaria sempre em meus olhos.
O Romantismo, tema da encantadora exposição, é antes de tudo um movimento de adesão as cenas do instante. Não mais apenas a contemplação.
No enamorar romântico com os instantes, uma pessoa vê a poesia, a beleza e o prazer, pois se mistura na entrega em estado de amor.
Se o seu cavalinho estiver manchado e desbotado, o seu olhar interessado, o seu novo enamoramento, fará revelar o perfeito no imperfeito. Deste modo se realiza a sua Revolução Romântica, e você passará a viver como diz José Castello a “Poesia no Banal” e... “a ter a existência e a vida diária como um contínuo objeto amoroso”.
O olhar enamorado para as exposições, para os restaurantes e o pedacinho de Paris em São Paulo, ou em qualquer outro lugar, faz transformar o Banal em Poesia.