terça-feira, 30 de outubro de 2012

Aonde Você Está?


Ao entrar num supermercado em Ipanema, me deparei com uma montanha de panetones. A dois meses do natal já estavam lá.
Diz a lenda que este pão foi criado, no século XVII, por um padeiro italiano chamado Toni para impressionar o pai da menina que ele estava apaixonado. Foi chamado de “Pan di Toni” e é uma das minhas tentações. 
Uma senhora abarrotava dois carrinhos com esta delícia italiana e de tanto que já tinha empilhado, acabou por deixar cair algumas caixas no chão. Vendo a confusão decidi ajuda-la, mas não consegui me segurar e perguntei “Isso tudo já é para o Natal? Ela me respondeu animadamente: “Já estou me organizando, senão minha vida fica uma loucura”. Continuei com minha ajuda intrometida: “Mas se é para daqui a dois meses é bom ver o prazo de validade. Nunca se sabe”. Como se eu tivesse dado uma ducha fria naquela eficiência toda, ela olhou aquela montanha de panetones que havia pego e suspirou irritada com a dúvida que eu acabara de plantar. Senti que eu tinha acrescido nela um dilema que a obsessão não iria deixa-la abandonar. Tinha a partir de então, mais este aspecto agregado aquela tarefa que sem minha interferência estaria quase terminada. Com uma vontade de pegar um para mim, saí de fininho e desejei quase como desculpas “Feliz Natal”.
Ao sair de lá, entrei numa galeria para comprar um queijo do Serro e já na entrada da loja uma árvore de natal.
Quantas datas ainda temos para viver até a chegada do 25 natalino?
Quantas coisas ainda podemos realizar até lá?
Sete fins de semana, oito semanas e várias viagens cabem neste período, muitos jantares, muitos teatros, muitos jornais a serem lidos, pode-se perder pelo menos uns seis quilos, pode-se ter muitos momentos de amor, pode-se tomar ainda vinhos, mudar radicalmente de vida, fazer uma reforma na casa. Cabem muitas vidas neste período. 
Portanto, encurta-lo é desperdiça-lo e muito.
Através do ritmo vivenciado pela indução, pulamos a primavera para já enfeitar a festa do verão. 
Temos na vida o tempo objetivo que é aquele mensurável no relógio e no calendário... Através dele a entrada para o novo ano é daqui a dois meses. Mas temos o tempo subjetivo que é o vivido, e corresponde a uma experiência individual e existencial. Aí o Natal pode ser hoje, o Ano Novo amanhã e os ontens podem continuar sem abertura para acontecer dentro de nós.
Quantos estão com a sensação que o tempo está mais veloz? 
A medida dele continua sendo a mesma, os relógios marcam do mesmo modo há séculos a passagem das horas. As marcações subjetivas do tempo é que foram alteradas pelo modo atual de se viver.
A senhora que já compra o seu Natal, quando chegar lá irá falar do fim de ano, e no fim falará do carnaval e nele irá organizar a Páscoa. E dessa maneira, se condiciona a viver o tempo na medida acelerada e sua mente subjetiva irá viver no amanhã sem capacidade para perceber o hoje. Por isso tem-se a sensação que o tempo acelerou. 
O Eu de uma pessoa que não está situada no agora, se torna impedido de se alimentar das coisas presentes, pois está no imaginário do porvir. Sem estar situado no hoje, ele avança para gerenciar os pensamentos orientadores da situação futura. 
Desse modo, as coisas acontecem fora mas não conseguem encontrar abertura para acontecerem dentro.
Fui a um aniversário e estavam quase todos com seus relógios internos adiantados, no controle do tempo, pois uns iriam viajar, outros desejavam ir ao cinema, outro queria encontrar um amigo. Quase todos já estavam onde não estavam.
Nossos pensamentos ficaram educados para este mundo de milhões de informações e de atividades. Conseguir dar conta de tudo é instigante, porque gera em nós uma sensação de potência. Em cada agora no mundo contemporâneo as pessoas se ocupam em gerar vários amanhãs. O psicoterapeuta americano Jonathan Alpert, sediado em Nova Iorque e que tem um grande percentual de pacientes acelerados e ansiosos de Wall Street, falou que seu consultório não apresenta soluções mágicas, mas é um trabalho de implementar novos comportamentos, novas percepções quanto ao modo de viver para potencializar a sensação de estar vivo e presente na vida... As pessoas investem em tantas coisas, mas se tornaram perdulárias do tempo.
Vi num Fashion Week a Gisele Bundchen falando numa entrevista que em muitas ocasiões corre tanto para conseguir realizar o que precisa, que às vezes tem a sensação de não estar totalmente presente aonde está. Ela sofria do que hoje se denomina “Ansiedade da Ausência de Si”. Você já não sentiu isso? Está tão acelerado que não está no lugar que está, como se a alma estivesse ainda girando por aí, se debatendo, mesmo estando você já sentado? 
Gisele, diz que aprendeu a dar uma pausa, quando chega nos lugares com essa agitação. Faz um exercício rápido de respiração: de olhos abertos inspira forte e solta o ar. Falou que esse exercício dava a ela a sensação de estar viva. Coincidentemente sempre fiz isto. Quando entro no avião, depois de ter verificado algumas vezes passagem, passaporte, colocado bagagem de mão na esteira do raio-X que apita, tiro o cinto, põe o cinto, guarda tudo de novo passagem, passaporte, seguro casaco com um lado e com outro, seguro quatro coisas e quando finalmente me lanço esbaforido no assento, faço logo uma chamada mental: “Presta Atenção Manoel Neste Momento. Se Situa”. E... depois... inspiro e solto o ar. Isso me traz de volta o meu espírito que continuava na corrida pelo aeroporto com todas as coisas, que até depois nos perguntamos de forma secreta se iremos realmente precisar daquilo tudo que carregamos. 
Faço esta chamada de mim toda vez que me sinto sem foco no momento: seja no cinema, no teatro, no meio de uma caminhada... como se chamasse minha alma para o agora. Por isso adoro chegar antes para me ambientar e poder juntar minhas partes e assim me sentir inteiro no lugar. Este é o trabalho de concentração dos artistas antes de se colocarem em cena. 
O tempo é impossível de se multiplicar, sua medida objetiva é sempre a mesma. A sensação subjetiva dele está ao nosso alcance. Podemos senti-lo nos escapando, senti-lo mais lento, mais presente, mas de qualquer modo é bom sempre lembrar: que sempre que cada tempo se coloca diante de uma pessoa, ele se apresenta com um irônico sorriso de superioridade, pois sabe que vive sem nós, mas que sem ele... se torna impossível qualquer um viver.
Em busca do tempo perdido... Saudades dos ontens?
Nada disso autorizo em mim. Quando me vejo muito mergulhado no fora daqui, no porvir de um futuro, recorro ao uso do CHEGA. Digo-me o BASTA, tão úteis para tantas coisas e me coloco vigilante às ciladas de estar ausente aos momentos.
Ultimamente tenho tido é Saudades Do Hoje.
Fixado no panetone, preso no amanhã, a procura de um tempo perdido?
Atenção! Assuma o controle.
Chame a si do mesmo modo que chamamos alguém que sentimos estar distante...
Ei... Psiu... Oi... Aonde Está Você?

Por Manoel Thomaz Carneiro

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sem Desaparecer no Horizonte da sua Dor


Numa tarde, estava no Leblon, meu celular toca e era a senhora que faz consertos de relógio, para me avisar que o meu já estava pronto. Perguntei se estaria com a loja aberta, afinal marcava quase cinco horas de um sábado. Respondeu-me que não precisaria me apressar, pois ficaria até mais tarde.
Ao chegar à loja, disse – “Pensei que a senhora não trabalhasse hoje após o meio dia. Sorte minha, senão eu só teria tempo na outra semana”. Ela então me falou – “Ah... Sr. Manoel... Trabalho até bem tarde, faço muitas coisas.” E, mudando um pouco o olhar de direção como se estivesse em contato com algo muito profundo, continuou – “Sabe... sou capaz de ficar aqui até às dez horas da noite. Assim... não penso no meu filho desaparecido há quinze anos... por mal de amor. Um dia, muito curvado, me disse tchau, saiu e nunca mais o localizamos. A partir desta época passei a trabalhar muito, criar muito”. E... olhando bem nos meus olhos me disse – “Não posso desaparecer com ele, não é Sr. Manoel?” 
Há tempos a conheço e nunca percebi em seu semblante, uma história de dor. Ao contrário, ela sempre me tocou pela delicadeza e pelo senso de humor.
Ao sair da loja, fui me sentar num café para deixar esta tragédia ganhar forma em minhas reflexões. Em meus devaneios de elaboração daquela história, me lembrei da definição da psicanálise que havia colocado no quadro para as aulas da semana passada, que diz que a depressão se instala pela inércia da atividade psíquica diante da necessidade de uma reação a um fato doloroso, que leva uma pessoa a simbólica posição horizontal de inatividade.
Os fatos chegam e o choque do golpe emocional desmantela a nossa estrutura e essa ferida gera dor. A defesa contra a depressão origina-se da tentativa firme em realizar os chamados atos terapêuticos que representam a busca na luta contra a horizontalidade, através da verticalidade das ações.
Realizei, nesta reflexão do café, que a grande eficiência profissional da minha “Manutenciadora das horas” é o sábio dispositivo do qual ela recorre para não desaparecer com o seu filho no horizonte da dor.
Uma pessoa acometida por um golpe, sofrerá os hematomas psíquicos causados pelo impacto da realidade, mas ela apesar de tudo, deve tentar orientar os olhos para a vida.
Em entrevista para a revista Claudia de outubro, intitulada “Garoto aos 40”, Reynaldo Gianecchini, fala num trecho que durante os sete meses em que parou de trabalhar para cuidar do câncer, sofreu algumas transformações profundas e algumas irreversíveis. Como diz a jornalista que o entrevistou, “...uma das principais mudanças foi a forma de ver a vida. Antes da doença era comum que atravessasse o dia no piloto automático, sem dar bola para os bons momentos corriqueiros como a gentileza de um estranho, a beleza da praia ao anoitecer ou a música que toca no rádio do táxi.” Declarou que no momento em que se tornou possível, rápido entrou num ritmo frenético de trabalho: biografia, teatro, novela e afirma: “Este é um momento de tanta energia que quase me esqueço do que sentia ao entrar no hospital.”
O que ele nos revela ao final, demonstra bem que a história da dor permanece na pessoa, mas a saída terapêutica é dada, a partir do momento em que se desiste de girar em torno dela e que se decide dar continuidade a sua vida.
Fui convidado para ver a exposição “Impressionismo: Paris e a modernidade” que está no CCBB do Rio, onde pela primeira vez mais de oitenta e cinco obras do Musée d`Orsay estão expostas no Brasil.
Percorrendo as salas, me vi no Rio de Janeiro, diante de Gauguin, Monet, Pissarro, Degas, Van Gogh, Renoir, Cézanne, Lautrec, Latour, Sérusier, Duran, Bonnat, Sisley, Courbet e outros maravilhosos.
Diante das telas que retratam a modernidade que Paris vivia no período entre 1850 a 1914 tornando-a a capital mais evoluída da época, pensei nas paisagens internas de cada um desses artistas. Mergulhei em suas realidades psicológicas, nas dores e nas dificuldades de cada um. Mergulhei nos sofrimentos físicos de Lautrec, nas grandes crises de Van Gogh, nas inconstâncias de Courbet e outros com seus dilemas e pensei, que apesar de tudo estavam lá se mantendo na existência através dos desenvolvimentos das novas técnicas, entregues a vida no desejo de retrata-las. 
Se pararmos para pensar, o que é viver senão a entrega na arte de criar sua tela de cada momento inspirado no seu progresso pessoal. 
O que é viver senão a arte de concebê-la.
A senhora relojoeira não conseguirá zerar seu drama, Gianecchini, igualmente não apagará o susto e os momentos de tratamento, mas como os Impressionistas através do encontro de alguma arte pessoal de viver, se estabelecem um CHEGA a paralização e ajustam os relógios internos para as boas horas de cada hoje. 
É com os ponteiros que andam no sentido do futuro, e que deixam para o ontem o que deve ficar com ele, é que devemos seguir. 
É sempre hora de conceber uma nova cena da vida.
É sempre hora de se dar um CHEGA, de se dar um BASTA para não desaparecer no horizonte da sua dor.

Manoel Thomaz Carneiro

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Reinventar-se para Viver




Tenho uma amiga em Paris que ficou viúva aos 42 anos e ao seu lado estão seus pequenos enteados: um menino de 13 e uma menina de 9 anos. Ambos abandonados por uma mãe oriental, que foi para Hong Kong e nunca mais quis saber dos filhos.
Nestas crianças dois lutos, duas formas de ausência. Em minha amiga um luto e a necessidade imperativa como eles, de equilíbrio e continuidade.
Se pensarmos bem, a vida realmente não pede licença para trazer os acontecimentos.
Como no filme argentino “O Conto Chinês”, baseado num incidente real, de modo súbito uma vaca pode cair do céu sobre um belo momento de felicidade...
Seria bem elegante se o destino antes de nos aportar algo, perguntasse – “Olha... Dentro de alguns dias algo acontecerá... Você está pronto? Quer mais um tempinho para se preparar?” É lógico que não daria certo. Ficaríamos paralisados pela antecipação.
Na edição de domingo do O Globo, saiu uma entrevista com o cardiologista Cláudio Domênico com o título “O Segredo da Melhor Qualidade de Vida é Saber Planejar e Romper Barreiras” nesta matéria ele afirma que “O nosso corpo tem limitações mas nosso cérebro e nossa vontade não.” 
Apesar da indiferença da vida exterior em relação à dor que ela pode nos causar, a nossa vida psíquica como uma forma de compensação, nos disponibiliza grandes dispositivos de enfrentamentos. 
Como afirmou Freud, o sofrimento tem um aspecto quantitativo e é através dos pilares de sustentação que o nosso ego nos oferece, é que se pode fazer uma resistência psicológica aos momentos mais difíceis ou mesmo as realidades mais duras. 
Ao longo da vida, uma pessoa se perfaz, através das experiências e das pessoas que elege para amar, e cada aspecto vai se inscrever nos espelhos mentais internos, de modo a fazer com que a visão da vida se realize nos pensamentos, através desses traços e dessas presenças internalizadas.
Se perdemos alguém, como os meninos que perderam a mãe – por abandono e o pai – por morte, no começo é difícil se pensar com capacidade para a continuidade.
O que fazer?
Deve-se como a expressão do Domênico – Romper Barreiras, utilizando a nossa ilimitada vontade de prosseguir de algum bom modo.
As possibilidades não se mensuram pela facilidade sentida ao se fazer algo. Na mudança, a possibilidade depende da Disponibilidade Mental, alavancada pela decisão e pela confiança na afirmativa que não existe limites em si mesmo para as boas adaptações.
Se alguém deseja parar de fumar? Terá que construir o não fumante, em paralelo ao fumante internalizado. Abstinências emocionais, são como lutos e podem ser compreendidas como resistências da imagem fumante no espelho mental, desejante em permanecer. Um verdadeiro duelo de dois seres internos. O esforço é dirigido a vencer um fantasma fumante, que quer pegar as mãos para voltar a existir como se fosse uma força possessora.
Quantos fantasmas internos temos que vencer, quantas partes de nós que não são úteis ou positivas que devemos controlar?
Para uma mulher que se vê divorciada, o seu perfil de casada deverá deixar de existir, como um copo de bebida habitual que deve ser vencido... Para um homem que se encontra viúvo, a sua identidade de casado deverá igualmente deixar de existir para que possa se reconstruir. 
Clarice Lispector tem um poema que diz –
“Sou isso hoje, amanhã já me 
reinventei.
Reinvento-me sempre que a vida pede,
um pouco mais de mim...”
Uma das grandes ideias que encontramos no pensamento lacaniano é sobre a possibilidade que uma pessoa tem de sair do embaraço. Fazer o impensável entrar no pensamento, fazer o que parece impossível ganhar forma em si mesmo. Transformar é fazer o irrepresentável entrar no presente, fazer o que parece abstração virar construção.
As ideias do possível desembaraçam as nossas amarras, quando transformamos a nossa vontade de vencer e recomeçar em materialidade.
Minha amiga tinha síndrome do pânico, mas percebeu que poderia vencer a si mesma. Precisava assumir o comando da sua própria vida.
O menino assumiu um lugar de pai, se tornando mais responsável sem perder a sua adolescência. A menina de 9 anos, que todos se preocuparam muito, colocou sua sensibilidade na música e decidiu estudar piano. Assim... os três viram, como no filme, a vaca cair do céu e matar quem amavam, mas não se deixaram esmagar.
Saíram do embaraço.
Reinventam-se para viver...

Manoel Thomaz Carneiro



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Em Cada Amizade, Uma Parte de Você?


Em Cada Amizade, Uma Parte de Você?

Outro dia uma amiga que mora fora do Brasil, me contava a transformação que estava passando em si mesma com a vivencia da fasciaterapia, que consiste basicamente em toques com movimentos leves em seu corpo. Dizia que através desses tatos, feitos sem muita pressão, começou a ampliar nela a sensação de estar viva. Na medida em que narrava, eu escutava hipnotizado, curioso para saber mais e mais dessa sensação de renascimento. 
E, pensei o quanto cada amigo que temos revela um lado de nós, pois com ela sempre vivencio a partilha na minha curiosidade sobre as experiências terapêuticas menos ortodoxas.
Somos realmente plurais em nosso modo de ser. Temos vários aspectos e em cada um, uma versão de nós. 
Uma das formas que uma pessoa tem para descobrir a si mesmo, é através da observação de qual identificação possui com cada amigo. Cada um atua como uma “Madeleine Proustiana” que, ao ser experimentada, o paladar daquele momento, irá remeter a um aspecto da pessoa. 
As várias versões de mim eu as encontro numa amiga que me suscita a minha vaidade quando a vejo tão cuidada, naquele amigo que no convívio estimula minha ambição de trabalhar bem e muito, há ainda aquele em que o encontro desperta o meu pensador, aquela que me leva ao hedonismo do paladar na vontade de experimentar vários “pinot noir” e brindar a vida, aqueles que são bons na viagem, outra excelente protetora e que me suscita o meu lado criança, outro mobiliza a minha aptidão para proteger. 
Quem sou? A soma destas partes.
Quem você é? A soma das suas partes, de cada coisa que você vive com alguém, de cada coisa que você realiza.
Não existe um amigo universal em que com ele você consiga falar sobre tudo que gosta e fazer igualmente tudo que deseja. 
Você conhece alguém que contenha os interesses dos quais você se interessa, como se fosse uma peça do seu quebra cabeça, que se encaixa direitinho em todas as suas formas de ser? 
Difícil encontrar esta alma absolutamente gêmea. 
O escritor francês Montaigne, do séc. XVI, dedicou um de seus ensaios sobre a amizade. Para ele, amizade se nutre das trocas e da capacidade de discutir ideias. O entrosamento ocorre como se fosse uma mistura de almas, que em alguns aspectos se confunde com o outro. Um dos seus ensaios, foi dedicado a La Boétie, um amigo que morreu jovem e sobre esta relação com o amigo, assim disse - “Na amizade a que me refiro as almas entrosam-se... Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que não o saberia expressar senão respondendo porque era ele, porque era eu.”
Assim podemos também perguntar - Por que esta pessoa e não outra qualquer para ser uma amiga?
Porque era ela, porque era eu.
O amigo apresenta afinidade em algo e com ele podemos viver aquele aspecto de nós com cumplicidade e prazer. Porque é nele que me vejo através da identificação. A soma dos amigos nos reúne no sentido psicológico. Cada fragmento de nós, em um. 
Li num artigo os resultados de uma pesquisa liderada pelo neurocientista, John Cacioppo, em que foi usada imagem do cérebro para mostrar que os mecanismos neurais das pessoas solitárias em relação às sociáveis eram diferentes. Colocadas numa máquina de ressonância magnética, as pessoas viam uma série de imagens. Quando olhavam cenas agradáveis, a área do cérebro que produz o prazer, mostrou uma resposta mais intensa nas pessoas mais sociáveis. Já as que eram mais solitárias e mantinham poucos contatos, eram muito mais suscetíveis diante das imagens mais dramáticas, sugerindo essa experiência que as pessoas mais solitárias eram mais suscetíveis às dores e, portanto ao sofrimento.
Como afirma o Neurologista Cacioppo, “O cérebro do solitário fica em um estado constante de alerta as ameaças.” A presença de outros na nossa vida, promove em nós a experiência da sensação de segurança. 
Uma pessoa mais solitária é mais ameaçada, mais ansiosa... e ainda carrega a desagradável sensação de desamparo.
Somos seres sociais e como tais, precisamos ao longo da vida encontrar aqueles que fazem parte de nossas afinidades. Quando nascemos não escolhemos quem iremos encontrar, porém no decorrer da nossa existência, vamos personalizando nosso convívio através das escolhas. 
Um bom critério de escolha? Afinidades positivas.
Do mesmo modo que existem pessoas que suscitam em nós o nosso lado bom, há os que fazem emergir pensamentos e sentimentos ruins.
Podemos realmente encontrar pessoas que promovem em nós o pessimismo, a melancolia, a frieza dos sentimentos, e outros tantos perniciosos a nossa qualidade de ser. 
Aos bons encontros devemos nomeá-los de amigos, aos outros perniciosos, de perigos. 
Somos influenciados pelo meio. Pessoa alguma é absolutamente impermeável a influência do outro.
Portanto, se amar constitui-se também da noção sobre a autoproteção.
Existe uma fábula do filósofo alemão Schopenhauer que expressa muito bem a medida da proximidade com o outro, seja quem for: os porcos-espinhos precisam se aproximar para que não morram congelados de frio, mas devem se manter longe o suficiente para não se ferir – Uma verdadeira atenção para encontrar a distância segura entre a proximidade necessária e a dor.
As aproximações são inevitáveis, mas as boas escolhas de nossos pares de amizade, as frequências e distancias são componentes de um importante aprendizado. Conviver é trabalhoso, mas necessário.
Fui assistir o musical “Milton Nascimento-Nada Será Como Antes” e me lembrei da Canção da América composta em 1980 que canta em seus versos:
“Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração...
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam “não”.
Sentada ao meu lado direito estava uma amiga que guardo do lado esquerdo, ao meu lado esquerdo estava outra amiga que mora no mesmo lado. Ambas são partidárias do meu desejo de assistir peças de teatro, musicais e do prazer em sair para jantarmos e desta forma comemorarmos a vida que vale a pena ser vivida. 
Na entrada do Teatro Net Rio, que é um espaço amigo das artes, encontrei duas que não via há tempos, mas que meu coração na hora me disse que ainda moravam nele... Assim como tantos outros amigos que moram em mim e com os toques de suas presenças internalizadas em meu coração, contribuem para eu me sentir vivo. 
Minha amiga que se descobre com sua “toqueterapia”, nos revela que todo toque de carinho ajuda a nos sentirmos mais vivos.
Cada pedacinho de você encontrará um espaço no outro. Cada outro trará o encontro com você mesma.
Cada encontro com você um crescimento, um despertar.
Aproveito estas linhas e faço uma homenagem a Hebe Camargo... que deixou inúmeros amigos e foi encontrar no céu, duas de tantos anos... Sarita Campos, que conheci, e Nair Belo. O céu deve estar bem animado, pois Hebe era uma festa.
Após descobrir as boas escolhas e aprender as boas formas de estar juntos, abrace suas amizades e diga como Hebe - “Como é grande o meu amor por você!”


Manoel Thomaz Carneiro