segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Vínculos

Como professor dos cursos que ministro no Leblon, ouço uma série de indagações em busca de compreensão sobre os sentimentos e as atitudes saudáveis para a perspectiva de uma vida equilibrada.
Um dos aspectos mais questionados é o que seria importante inserir e cultivar na vida.
Sábado retornei após alguns anos a Teresópolis, pois tinha um almoço na casa de uma amiga escritora com vários sucessos editoriais, cuja família se entrelaça em convívio há tempos com a minha.
Ao longo da tarde uma sensação de aconchego e serenidade se instalou em mim, que me trouxe um delicioso sossego na alma.
Éramos cinco a falar sobre tantas coisas e quanto mais o tempo passava, mais sentia surgir um elo de calor como se estivesse reforçando laços... Em um determinado momento, discorríamos sobre reencontros com pessoas que há muito não se veem, mas que quando ocorre, salta da alma a sensação de cumplicidade, como se o afastamento não tivesse apagado o alinhavo de amizade construído na trama da convivência.
Nesse momento divagador sobre distâncias e aproximações, a psicanalista que estava presente nos disse: “Quando a cumplicidade não se perde é sinal que os vínculos que ligam são fortes.”.
Pensei nesses vínculos que nos unem, que ligam uns aos outros e que são fundamentais em nossas vidas.
A certeza de termos estabelecido fortes alinhavos de amor com as pessoas significantes nos fortalece em nossa existência.
Quantas e quantas vezes o frio da incerteza pode ser abandonado devido a uma presença sincera, devido a uma tarde que nos envolve como redes de segurança.
A falta dessa liga afetiva pode potencializar angústias e pela sensação real do desamparo que surge, cria a ruptura da estrutura psíquica. A falta de unidade da mente causa sérias consequências psicológicas negativas.
A escultora Camille Claudel, apaixonada por Rodin em determinado momento da vida, foi abandonada por ele, pelo irmão, pela mãe e pelo pai, e internada num sanatório sem qualquer presença próxima e afetiva. Viveu a partir de então solta nos tormentos e isenta do amparo profundo, mergulhou numa gradual clivagem psíquica que a fez uma mulher absolutamente encerrada em si.
Muitas vezes as mãos espalmadas do outro em nossos corações massageiam nossas forças e estimulam a motivação para viver.
Essas mãos faltaram para Camille Claudel. A sensibilidade e a libido sublimada em arte expressas nas obras criadas por ela, muitas vezes mais expressivas e intensas que as de Rodin, se perderam. Transbordaram em falta de propósito e se transformaram em sideração e inabilidade para viver.
"Valsa" de Camille Claudel

A vida sem laços nos faz siderados. Faz a pessoa orbitar sem capacidade de aterrissagem no plano do real.
Os elos afetivos saudáveis contribuem para a percepção de que a vida é praticável e pode ser prazerosa.
"A Catedral" de Auguste Rodin - foto de Vitoria Liberal Lins

Como afirma o conceito psicanalítico: o Outro é concebido como um espaço aberto de significantes que a pessoa encontra desde o ingresso no mundo.
Diante dos grandes sofrimentos, esse grande outro caloroso, pode ser simbolizado como um fiador, que assegura valores para que a vida possa ser resgatada sempre para a boa continuidade...
Como afirmou Lacan: “Na neurose há a ruptura da fala plena entre o Sujeito e o Outro”.
O “Outro” completa simbolicamente nossas falhas e supre o nosso interior das lacunas do amor pleno. 
O “Outro” nos abranda.
Respondo, portanto que se há algum aspecto a ser olhado como primordial é a consciência do papel do “Bom Outro” em nossas vidas.
A minha tarde de sábado foi um belo laço as boas razões de enfrentar, trabalhar e se cuidar. Assim através da tríade positiva de enfrentamentos, trabalhos e cuidados me fiz inteiro para aproveitar a presença de quatro grandes vínculos naquela tarde de sábado que abrandaram deliciosamente a minha existência...
O que considerar prioritário?
Caminhe contra a corrente atual da superficialidade dos laços e cultive elos de amizade e amor.
Freud afirmou que se Cura por Amor. Quando encontramos uma fonte para amar encontramos uma direção para caminhar.
Ao criarmos laços com o “Outro”, criamos pontes pelas quais poderão passar as energias de apoio e estímulo à continuidade. 
Os bons vínculos nos vinculam à vida.

Imagens: Google e GettyImages

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Invejas

Outro dia me perguntaram se a inveja era realmente um sentimento nocivo e se as “maldadezinhas” sociais eram atitudes derivadas dela e ao final me lançaram a seguinte pergunta:
“Manoel, o que é afinal a inveja?”
Lembrei-me na hora do conto de fadas, em que as duas filhas da madrasta, feias e enciumadas da beleza delicada da filha do padrasto delas, tentam transformar a vida da Gata Borralheira num suplício. O trio de invejosas aproveitava a ausência do pai da linda menina para maltratá-la e humilhá-la.
Já se pode bem compreender que a inveja é um sentimento direcionado a algo bom. É um derivativo perverso do desejo de ser ou de ter um contexto ou mesmo algo.
Daí, a inveja das três pela beleza da gata borralheira, pela sorte do destino de alguém. Uma pessoa também pode invejar a família que você formou, a sua estabilidade emocional, a presença de pais amorosos na sua vida, a sua compra de uma casa, o seu sucesso, a sua viagem, a sua perda de peso, o seu cabelo e a cumplicidade que conquistou como casal. Pode também invejar a trajetória bem sucedida de seus filhos e a chegada de uma grande e boa notícia...
O invejoso tem sempre uma maldade contida no pensamento e tem o secreto momento delícia, como o anuncio da margarina em que no provador de uma loja diante de duas vendedoras a apresentadora Fernanda Lima não consegue fechar uma calça... Elas suspiram de prazer e alívio... Dá já para entender bem!!!
Fui assistir no Teatro Leblon, sala Fernanda Montenegro, a peça “Cruel” com Gianecchini, Maria Manuela em excelente atuação e Erik Marmo, num texto do teatro íntimo de Strindberg, onde disse que nesta concepção ele iria mostrar a vida em breves instantes. Em uma montagem de setenta minutos, testemunhamos o perverso e o sutil plano de um marido abandonado, para destruir o segundo casamento da ex-esposa. Com esta finalidade se aproxima do atual marido dela sem que ele pudesse supor que era o ex e se faz de amigo. O personagem de Gianecchini estabelece um mímico laço de cumplicidade e amizade de modo a despertar a confiança e fazer com que o outro abra o coração e se deixe influenciar pelas palavras escamoteadas e maléficas... Palavras cruéis. Neste intento derivado do despeito e da inveja tenta destruir o que desejava, mas não mais poderia ter. Tenta minar a segurança da ex através das sutis insinuações que ela estava envelhecida...
Quantas vezes podemos testemunhar esses comentários venenosos!!!
A inveja é um sentimento muito mais presente no cotidiano do que as pessoas imaginam. Ela pode ser uma admiração envenenada.
Conheço a história de uma mulher que admirava tudo que a irmã havia conquistado: o casamento; a família e a satisfação, mas a realidade da outra representava um desejo que não foi realizado. Quando nasceu o caçula e a irmã a chamou para ser madrinha, foi suscitando nela uma inveja que despertou um ressentimento pela vida que a tornou uma solteira amarga e crítica, maníaca. Quem já não viu a boa solteirona, mas que é no convívio uma mulher tensa e crítica?
Já vi também noras terem comportamento hostis com os sogros e a sogras por no fundo invejarem a aura familiar de cumplicidade e de amor que os constituem no contexto.
De fato a arte imita a vida.
Quando testemunhamos nas novelas, nos seriados cenas de inveja como no filme Desejo e Reparação do diretor Joe Wright, em que conta a história de Briony de treze anos que usa a imaginação de escritora para acusar Robbie Turner, filho do caseiro e namorado da irmã mais velha dela Cecilia, de um crime que ele não cometeu. A acusação destruiu de forma dramática o destino das pessoas envolvidas. Por desejar Robbie e invejar a condição de mulher da irmã, arma este plano perverso. 
As situações podem parecer exacerbadas para o plano real. No entanto a vilania é muito mais presente do que as pessoas imaginam e por vezes acontecem em comentários maldosos disfarçados sob o tom aveludado da fala nos almoços nos clubes e mesmo nas reuniões de trabalho.
No conto da gata borralheira, as irmãs postiças invejam a beleza e a juventude... Em outro conto, temos a história da bruxa má que envenena a maçã para colocar a Branca de Neve no sono da morte. 
Estas histórias narram e anunciam as questões do desejo e da derivação invejosa que a condição positiva de uma pessoa pode suscitar, mas as pessoas têm preconceito em enxergar que quem nos ama pode viver este sentimento de modo ambíguo, pois nele poderá encontrar contida a inveja.
A inveja é um ciúme da boa destinação do outro. 
Temos atualmente na novela Amor a Vida o ciúme invejoso do Felix pela irmã amada pelo pai que o rejeita. Encontramos na Bíblia a inveja assassina em Caim por Abel.
Na crônica do Veríssimo no O Globo, intitulada “A Explicação” ele escreveu: “Já se especulou como a História seria outra se Adolfo Hitler tivesse se tratado com seu conterrâneo e contemporâneo Sigmund Freud, em Viena. Curado de seus complexos e fobias, Hitler teria abandonado a ideia de dominar o mundo e se contentado em dominar um só quarteirão...”
Talvez, através desta suposta análise, Hitler tivesse um menor sentimento de rejeição e inferioridade e com isso conseguisse eliminar nele a necessidade desmedida de busca de poder para compensar a falta de valor que carregava em si. Quem sabe teria menos ódio daquilo que não havia obtido em sua vida e teria menos inveja daqueles que desejava dominar e daqueles que queria eliminar? 
O Vilão maltrata apenas quem é significante aos olhos dele, quem representa algo que o toca e por isso o incomoda. 
Barrar o Hitler na academia de belas Artes em Viena e outras tantas vivências de rejeição gerou naquela estrutura o “Invejoso” e “Tirano Perverso”... A História fala por si.
Portanto as situações de felicidade, de contentamento e de alegrias, trazem os bons destinos, mas aportam junto o olhar hostil e envenenado daqueles que não conquistaram e não souberam fazer um apaziguamento da própria frustração.
Respondendo a pergunta sobre se de fato a inveja existe nos próximos.
Digo: Sim.
A inveja pode existir em todos nós de alguma maneira.
Diante deste “Olho Grande” o que fazer?
Primeiro compreender que quem inveja está destituído de algum senso de autoestima, de algum senso de valor e carrega uma falta de si... Carrega frustrações sem elaborações...
Envenena com ressentimentos o coração.
Envenena a maçã.
O antídoto?
Exercitar o olhar de gratidão sobre as próprias conquistas para que possa a ternura que brota limpar a venenosa inveja.
Contra o veneno alheio?
Do Olho Grande se defende com Olho Vivo!

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Felicidade... Mágica ou Magia?

Alguém me disse outro dia, que achava que a felicidade era reservada somente para algumas pessoas iluminadas.
De fato a ideia da felicidade é encantadora nos magos e nos líderes espirituais. Inspira divindade. 
A perfeição que parece isenta de esforço para existir, se torna mágica aos olhos da humanidade. Uma pessoa que pareça naturalmente bela inspira também divindade... A ideia da falta de esforço em ser algo desperta o conceito do eleito, do abençoado e isto mexe com a fantasia de muitos.
Por que tudo isso?
Porque o esforço lembra dificuldade, rigor, trabalho e o que acaba por quebrar o encanto.
O cantor de ópera que canta uma ária sem demonstrar qualquer preocupação no que faz nos parece mágico. Torna-se um iluminado.
O ator que encarna o personagem e nos leva a esquecer da própria identidade, nos parece incorporado e iluminado.
Por esses aspectos é que algumas pessoas, quando se deparam com a realidade de que o equilíbrio emocional e a limpeza de um ressentimento envolvem um trabalho que é destituído de qualquer milagre, se decepcionam. A partir daí, passam então a viver uma gradual desistência do que ambicionavam. 
A mobilização de muitos é estimulada por uma ideia de receita rápida e miraculosa.
Por que isso acontece tanto?
Porque simplesmente acham que a felicidade deve ser algo divino e quem a tem a tem... Está incorporado numa genética abençoada, rara e única. 
A conquista da perfeição sobre a imperfeição envolve uma construção.
Ser uma pessoa leve, ser segura, ser mais independente está longe de ser uma conquista de um só golpe, de um só dia, e, portanto nem tampouco de uma só sessão de análise.
Um lado profundo da humanidade detesta todas as conquistas que envolvem esforço num tempo maior. Na mentalidade das pessoas no mundo atual as dietas devem ser mágicas e as perdas de peso no viver também.
Detox de vinte quatro horas para retirar todos os excessos e todos os complexos.
Estamos vivendo o império do não esforço prolongado.
Análise relâmpago... Aprendizados em uma só aula... Impaciência para retomada de temas... Impaciência para a reconstrução de afetos.
Fui assistir a peça “Rain Man” no teatro dos Quatro aqui no Rio de Janeiro, com Marcelo Serrado no papel de autista. Ele estava tão habitado pelo personagem que em certos momentos nos sentíamos integrantes daquela realidade. Um teatro lotado em silêncio e posso dizer que todos da plateia estavam tomados pela fluidez com que o personagem acontecia. Parecia não haver esforço nas difíceis modulações de voz, nas contrações do rosto e nas contorções das mãos. Ao terminar o espetáculo os aplausos foram de pé, mas para quem tem experiência de assistir peças fora do Brasil vê-se que nesta terra os aplausos são intensos, mas curtos.
Li em certa ocasião que os aplausos são para despertar os deuses para abençoarem aqueles que trabalharam algo de maneira profunda e disciplinada e se apresentaram de forma divina e encantadora. 
Os aplausos são, portanto um chamado às divindades para que eles possam jorrar dos céus recompensas pelo lindo trabalho realizado.
No Brasil muitas vezes este “chamado” é tão rápido, devido aos curtos aplausos apesar de intensos, que os “deuses” mais sonolentos, ou distraídos não são mobilizados, o que deve fazer com que os artistas saiam muitas vezes sem essas bênçãos finais... Penso que a mecanicidade do mundo de hoje abrevia e banaliza a noção do trabalho do outro.
No dia seguinte fui assistir no teatro Leblon, sala Tonia Carreiro, o espetáculo “Nós Sempre Teremos Paris”. Algo leve que faz a nossa alma sonhar.
A peça está calcada num aspecto da vida humana: aquele em que a sorte se apresenta, mas as pessoas a deixam passar. Nela um homem e uma mulher, dois brasileiros, se conhecem por uma mágica do acaso num café de Paris do Boulevard Montparnasse, mas por estarem presos nas próprias inibições deixam a chance escapar. Passaram vinte anos cada um em suas vidas, sonhando com aquele momento.
Diante dessa história, me coloquei a pensar em todos aqueles em que a vida apresenta uma oportunidade, uma circunstância favorável, uma chance para algo desejado, mas não se responsabilizam, não se mobilizam para realizarem o desejo através da parcela de trabalho, ou com o compromisso com os processos que envolvem a construção do que se quer para si. 
Ficam no querer queria. 
Desejam magias sem mágicas... As mágicas envolvem truques. Para realizá-las necessita de treinos disciplinados com o aprendizado de técnica e muito trabalho.
Muitos querem que a feiticeira balance o narizinho, ou que um gênio esfregue a lamparina para que tudo se transforme.
Outro dia no jornal O Globo, seção de Histórias em Quadrinhos, havia uma chamada: “Bastidores das Historias Infantis” em que tinha no desenho o Lobo Mau diante dos três porquinhos onde se dizia:
“Vocês sabiam que quando um Lobo Mau toma posse do cargo tem que fazer um juramento solene?”
Nesta historinha entre tantas mensagens ressalto uma: para ser Lobo Mau tem que fazer um juramento de estar imbuído de tudo que o envolve e o perfaz.
Para ser o Lobo Bom também.
Depois destas reflexões, quando me falarem que a felicidade é derivada de uma benção divina para poucos, defini para mim que vou concordar... Vou afirmar que sim...
Por que? Porque percebo que infelizmente são poucos os que querem assumir a realização do trabalho profundo do equilíbrio para a vida. Um processo que é “mágico” e que faz “magia” para quem o elabora muito. 
Quando me perguntarem sobre uma receita, vou passar uma para a felicidade que é mágica... A receita?
Aí está:
1 Kg de desejo;
500 gramas de disponibilidade;
Uma colher de sopa bem cheia de decisão;
Duas xícaras de perdão ao destino;
Uma colher de chá de propósitos de vida.
Misture tudo durante muito tempo. Unte uma forma com amor próprio. Coloque a mistura na forma. Polvilhe com crença. Ponha no forno das suas elaborações.
Deixe aquecer com a sua perseverança.
Depois de pronto, decore com pitadas de gratidão e sirva a sua realidade.
Excelente para celebrar os recomeços.
Depois de você exercitar a receita da felicidade e passar a viver com naturalidade a sua nova habilidade em ser... Aplauda a si com generosidade e fervor para que os “deuses” possam ser despertados para abençoar a sua nova atuação de vida.

Imagens: GettyImages

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Admirar e Ser

Cheguei ao verão parisiense após 22 anos sem revê-lo.
Já havia me esquecido da versão solar que a cidade possui. Minhas longas e inúmeras experiências no inverno me fizeram perder o contato com a memória de como era.
Encontrei uma Paris luminosa até as dez e tanto da noite e me coloquei a pensar como esta cidade consegue se adaptar e se transformar, trazendo à tona novas facetas de si. São calorosos jantares sobre as calçadas a céu aberto e ela completamente desnuda dos aquecimentos necessários ao inverno, abrindo-se ao azul que permanece como se tivesse preguiça de desaparecer.
Pensei nesta aptidão de se adaptar, transformar e oferecer a quem ali estivesse o melhor de si naquele contexto. Pensei em como ela deixou o inverno tirar férias e se entregou para o que deveria existir naquela época.

As árvores, que sempre encontro secas como se estivessem desnutridas, tornaram-se fartas e generosas em suas folhas verdes. Elas do fundo de si retiram a condição para o brotar. Nosso olhar pode aprender que árvores não são coisas, não são objetos. Como elas, podemos deixar de ser objetos ou coisas inanimadas para sermos vida em renovação.
Minha mãe outro dia me disse: “Sabe que não me sinto envelhecer? Tirei, continuou ela, a conclusão do porquê: o que envelhece é o que passou e ficou para trás. Sigo as novas visões e me refaço na vida através delas, pois para se fazer vida tem que se conceber todo dia. Caso contrário você se perde no que foi e já não é... Você desaparece com o desaparecido mesmo que permaneça organicamente viva”.
Pensei muito através dessa afirmação nas pessoas que se fazem incapazes de existir em cada estação da vida. Se estão no inverno não reagem e com isto se tornam frias, sem disponibilidade para encontrarem em si aspectos sensuais e acolhedores para viverem com criatividade.
O inverno em muitos países é o período de uma intensa atividade, diversos eventos e de grandes espetáculos. Com o ser humano o processo pode ser semelhante. Cada pessoa que se renova em seus próprios desdobramentos se torna instigante e profundamente interessante.
Mas... Como aprender a ser?
Nietzsche o disse muito bem: quando Napoleão admira Alexandre O Grande, não é para imitá-lo; é para se tornar um melhor Napoleão.
Mas para se tornar Napoleão é necessário compreender como Alexandre se tornou Alexandre O Grande. Admirar Alexandre é observá-lo nas particularidades que evidenciam as nossas possibilidades. A versão de um exemplifica, demonstra e através da nossa admiração pode nos ensinar.
Nós esquecemos seguidamente de admirar uma referência para alimentarmos o centro de nós e com isto conseguirmos parâmetros para refletirmos a evolução possível em si diante da própria vida.
Quem você admira?
Se passarmos a amar o processo de admirar como também afirmou Descartes, daremos o primeiro passo na constituição de ser, pois constituir é ultrapassar a si mesmo na direção do engrandecimento do Eu. Este processo sempre será possível através do exemplo de um outro admirado.
Quando vi Paris transmutada em verão, vi através dessa referência as possibilidades de transmutarmos.
Sempre me entusiasmo quando percebo alguém que tenha passado pelos caminhos do outro e que assim aprendeu a olhar e desta forma exercer outra voz e através dela dialogar com as circunstâncias de maneira mais favorável a si mesmo.
Viver é aprender através do olhar sobre as coisas e sobre outras pessoas.
Afinal, como afirmou Simone de Beauvoir, “Não há uma polegada do meu caminho que não passe pelo caminho do outro”.

Escrevo esta crônica em Búzios, de volta a pousada que existe desde os anos setenta, mas que sempre evolui e com isto se transcende. Nela através do testemunho do meu olhar admirativo, aprendo que o bom funcionamento, depende do que cada um realiza com foco e carinho. Como costumo passar longos períodos, percebo sempre detalhes de cada dia, desde as tarefas cotidianas, quanto as criações dos climas para cada momento: cinema ao ar livre, espumante para acompanhar o por do sol, velas por toda parte quando anoitece, perfumador de ambiente... Aqui ao observar a dinâmica desta pousada me inspiro na criação, na vontade de viver com climas internos, criando ideias que sensualizem minha alma. Aqui através de olhar este outro me inspiro a retomar com serenidade quando sinto que perdi a leveza.
Dessa forma contemplativa e curiosa, sob o signo da ideia “nietzschiniana” de admiração, se faz o ser que admira para buscar novas inspirações para o modo de ser.
Ao se olhar o que evolui e o que se desdobra em criação e desenvolvimento, abrimos a alma a experiência de ver o diferente na busca do igual.
Você tem buscado aprender a ser, a olhar o outro?
Você busca criar novos modos de ser?
Naquela Paris solar onde iniciei minha pausa de julho, nesta Búzios na qual a finalizo encontro a paz desta Pousada Casas Brancas. Encontro neste espaço buziano a mentora. Dona Amália, me faz sentir Napoleão, querendo ser outro. Querendo ser um desdobramento evolutivo de mim através da admiração por outro. A admiro para ser como ela continuidade com originais e elegantes desdobramentos.
A felicidade é de fato a gratidão que nossa alma sente ao oferecer chances de fazê-la existir com poesia nas diferentes estações da vida.
Viva Búzios... Viva Paris e, sobretudo Viva Todos os Aprendizes de Si Mesmo.
Viva Admirar e Ser.