segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Corpo Expandido – Liberdade de Expressão

Num desses dias cinza de neblina parisiense, que envolve esta cidade numa atmosfera lúdica, caminhei nas ruas mágicas e fui ao Grand Palais, ver a retrospectiva inédita de Niki de Saint Phalle, considerada uma das artistas mais populares do século 20.   Durante uma vida intensa entre Nova Iorque e Paris, ela foi modelo da Chanel, pintora, escultora e diretora de filmes.


Nas salas do Grand Palais estão instaladas as coloridíssimas obras desta artista que além de criar, desejava também exprimir de modo metafórico as nuances das nossas vidas.


Logo na primeira sala, me veio a lembrança essa frase do cineasta italiano Pasolini “Escandalizar é um direito”. Deparei-me com uma sucessão de formas excêntricas. Causa, mesmo, certa estranheza as dimensões, as formas e as cores intensas... Nelas tem sim esta intenção. Alias, chocar artisticamente sempre balança as convenções e os debates discordantes que suscitam deste impacto nos retiram de nossas opiniões enraizadas.
De certa forma, esta desestabilização intelectual pode nos instigar a repensar as nossas premissas, que nos instalam numa zona de conforto para se viver o cotidiano. 
As polêmicas suscitadas pelos criadores e pensadores sempre contribuíram para a evolução do pensamento humano.
No teatro Champs Elysées em 1913, aconteceu à estreia do ballet Sagração da Primavera composto por Stravinsky e coreografado por Nijinsky que foi recebido ao final com uma monumental vaia que ficou marcada na historia do teatro e na vida musical.


As inovadoras estruturas rítmicas da música e o uso das dissonâncias fizeram dessa obra de Stravinsky, conforme afirmaram Leonard Bernstein e George Perle, um seminal, ou seja, um inaugural da composição do séc. 20.
A expansão da atuação da mulher na vida cotidiana foi também uma transgressão.
Esses instigadores das artes sejam literárias, pictóricas, cinematográficas, da música, da alta costura, me fascinam por que me incitam a rever valores e acabam por promover a expansão do corpo do meu olhar.
Esta expansão me leva a ler a mesma coisa de um modo diferente...
Retira-me dos hábitos e me promove o novo no mesmo.
Após passar por uma sucessão de obras nas salas do Grand Palais, eis que surge uma instalação de várias criações gigantes com um impacto visual felliniano...
Eram mulheres de corpos imensos e fixado a parede um texto da artista dizia que ali ela exprimia a expansão de nossos sentimentos, a expansão de nossas ideias, de nossas ambições, de nossas expressões e de nossas ocupações...  É verdade, expansão, movimento tão necessário ao crescimento. Afinal o corpo se expande para crescer.


Percebi que algumas pessoas se sentiam incomodadas com a concepção desta artista.


O arrojamento suscita incômodos. Protegiam-se sem assimilar a intenção das obras e sem deixarem se envolver pela mensagem implícita de cada criação. Preferiam condenar do que exercitar a convivência com a liberdade de expressão.
Os atentados ocorridos em Paris nos dias 07, 08 e 09 de janeiro tem como raiz a condenação da liberdade de expressão.
Como disse o presidente da França François Hollande no discurso de apoio a nação após os atentados, “Uma República é a Liberdade, a Criação e o Pluralismo”.
Uma vida de evolução envolve a Liberdade, a Criação e a Pluralidade.
Essas três palavras traduzem os movimentos tão necessários à vida de expansão e expressão que devem ser sempre preservados...
Por vezes certas pessoas são tão fixadas em suas próprias premissas, que acabam por diminuir e limitar as perspectivas e a destinação de si no próprio cotidiano. 
Muitas pessoas, como disse o escritor e pensador contemporâneo francês Christian Bobin, se tornam uma cotidiana repetição sonolenta de si mesmas...  
Venho a Paris há 23 anos, onde passo um período de 3 meses... Nestes tempos, percorri quilômetros a pé nessas ruas por vezes românticas, outras opulentas e tantas outras com oníricas imagens... E com tantos anos como um andarilho parisiense, descobri que muitos viajam e repetem o mesmo olhar nos diferentes lugares...
Paris para mim reflete a vida interior, quanto mais se “arqueologiza” mais se descobre...
Viver para mim também reflete Paris, quanto mais se aprofunda mais se descobre caminhos, modos e prismas no sentir a mesma cidade da existência.
Paris é a liberdade, é a criação, é a pluralidade.
Paris é também a exposição de Niki de Saint Phalle... É Rodin... É Picasso...
Paris é também a manifestação “Je suis Charlie”.








Je Suis Charlie... Corpo em Expansão
Liberdade no Olhar...
Ser diferente no mesmo.